Uma pesquisa inédita e ainda em curso dos cientistas Paulo Sergio D’Andrea, Gisele Winck e Cecilia Andreazzi, do Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), já identificou 160 patógenos — entre vírus, bactérias, vermes, parasitas e fungos — em mais de 60 espécies de mamíferos caçados no Brasil. O foco do trabalho é detectar as doenças que podem ser transmitidas pelo consumo e a manipulação da carne de caça de animais silvestres.
Esta última, considerada a mais letal das infecções por vírus, pois mata 99% de suas vítimas, foi o alvo de outro estudo, este com caçadores e javalis, animal exótico que veio da Europa e se tornou praga no Brasil. Desde 2013, a caça do javali, chamada de “controle”, é permitida. Mas até agora não teve significância na redução da sua população.
Diferentemente do javali, que ataca humanos, não existe um só animal na fauna brasileira capaz nos ameaçar, diz Biondo. Por isso, ele defende que “a caça é uma tradição cultural cujo lugar é no passado”.
Elba Lemos, chefe do Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses do IOC/Fiocruz, lembra que “o perigo está perto”:
O caçador vira caça também por meios indiretos. Um deles é o contato com presas vivas e mesmo partículas em suspensão. A poeira da urina seca e das fezes de ratos pode transmitir febres hemorrágicas com 60% de letalidade; se for contaminada por excrementos de morcego, pode trazer a histoplasmose, doença pulmonar grave. Além disso, muitos animais caçados não estão doentes, mas estão infectados.
Elba Lemos destaca que as doenças da floresta têm diagnóstico difícil e, por serem raras ou desconhecidas, podem passar despercebidas. Além disso, muitas vezes os sintomas podem emergir muito depois da caçada e quase nunca são associados a ela.
— Os cães dos caçadores podem ser infestados por carrapatos de presas silvestres mortas, como capivaras. Os cães não têm sinais clínicos e, como circulam pela comunidade onde vivem, seus carrapatos se espalham. Quem não caça pode ser colocado em risco sem saber — salienta Piedade.
— O brasileiro se horroriza com os chineses que comem morcegos, mas em nossa sociedade há quem considere uma maravilha comer tatu, reservatório da bactéria da hanseníase, ou paca, hospedeira dos vermes da hidatidose, que forma cistos no fígado em outros órgãos.
Se investiga, por exemplo, a infecção por vírus respiratórios em jacarés e de vírus Cantagalo, que provoca pústulas em mãos e braços de seres humanos, em capivaras. Porém, deixados em paz, esses animais nos ajudam a nos proteger de doenças.
Maria Ogrzwalska, pesquisadora do Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo da Fiocruz, diz que existem cerca de 70 espécies de carrapatos, que podem infestar todos os mamíferos, como tamanduás, capivaras, pacas e gambás, e também os cães de caçadores. Os carrapatos são transmissores de doenças como febre maculosa e erliquiose.
— É uma péssima ideia colocar as mãos, comer ou tocar esses animais. Está mais do que na hora de deixarmos os animais viverem em paz. Nem que seja apenas para zelar por nossa própria paz — diz Ogrzwalska.