62 Anos de SMOeste - 15/02/2016 10:05 (atualizado em 05/06/2019 10:04)

Antônio Pichetti: “São Miguel do Oeste foi um abraço recíproco”

Hoje contamos um pouco da trajetória de um homem de coragem, que desbravou a região, foi primeiro advogado e deputado estadual por três vezes por São Miguel
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Antônio Pichetti, aos 84 anos, impressiona pela lucidez e memória de uma carreira de mais de 60 anos - Foto: Ivan Ansolin/ Agência IAF

É feriado de Carnaval e somos recebidos na casa da família Pichetti, uma das mais tradicionais e conhecidas de São Miguel do Oeste. O anfitrião nos aguarda, para, pela primeira vez, ter sua história contada nas páginas do Jornal que acompanha todos os sábados dos últimos anos. As pernas já não têm a mesma força. As mãos, um tanto tremulas, perderam o seu viço. Mas a memória, a essa permanece intacta! Como se o tempo não tivesse passado, como se os 84 anos de existência não tivessem peso algum. Em uma conversa de cerca de duas horas, chegamos à conclusão, essa memória fotográfica merecia ser estudada pela ciência.

Isso por que, o personagem de hoje nos conta em detalhes fatos vivenciados há mais de 60 anos. Recorda com precisão marcos históricos e nos dá uma verdadeira aula, digna das melhores universidades do mundo.

Antônio Pichetti, aos 84 anos, impressiona pela lucidez e memória de uma carreira de mais de 60 anos - Foto: Ivan Ansolin/ Agência IAF

Antônio Pichetti, advogado, historiador, escritor e ex-deputado estadual por três legislaturas faz parte da história de São Miguel do Oeste. Nascido em Concórdia, escolheu a cidade para viver. Recém formado, chegou ao Extremo-oeste em 1958, quando São Miguel ainda era uma vila, recém emancipada e cortada por estradas de terra vermelha. A região era tão remota, que a viagem até aqui levou três dias. “Quando cheguei, lamentavelmente, a região era pouco povoada. Cheguei para advogar, mas no começo não tinha muito trabalho. Me formei em Curitiba e quando voltei para a minha cidade havia dois advogados, que me ‘aconselharam’ a vir para o Extremo-oeste. Na verdade, o diálogo desses era para que eu não fizesse concorrência em Concórdia”, recorda.

Quando chegou a São Miguel, Pichetti se hospedou no antigo Hotel Oeste. Na bagagem, uma biblioteca recém montada e uma boa soma em dinheiro, conquistada no programa de televisão “O céu é o limite”, que participou ainda na época da faculdade e onde dissertou sobre a Revolução Farroupilha, assunto o qual até hoje tem pleno domínio e que rende boas conversas. “Cheguei no final de ano, com o pensamento de que ia começar a minha vida aqui. Passava os dias estudando, inclusive os finais de semana. Comprei uma chácara, não se tinha o que fazer aqui. Eu tinha o dinheiro, ganho no programa de televisão, mas não tinha o que comprar com ele, haviam poucos carros nessa região. Foi difícil, mas me acostumei, afinal vim para ficar e já com objetivo de me eleger deputado e ajudar o povo dessa região. Era o único advogado e pertencíamos a comarca de Mondaí. Para se ter uma ideia, saía daqui de manhã cedo de ônibus e almoçava em Iporã. Levava o dia todo para chegar”, cita.

Antônio Pichetti e a esposa Analita - Foto: Ivan Ansolin/ Agência IAF

A esposa, Analita Mariani Pichetti, conheceu aqui e com ela teve os três filhos – os dois homens escolheram o Direito, mas não o gosto do pai pela área criminal. Esse foi o forte da atuação de Pichetti na advocacia. Em mais de 60 anos de profissão, parou de fazer contas, mas acreditar ter passado de 600 júris realizado, atuando 90% deles na defesa. “Sempre gostei da coisa vibrante do crime, para mim compensava, mas atuei na grande maioria de forma gratuita. Sempre fui muito duro, nenhum um pouco gentil nos júris”, enfatiza. Na região, Pichetti realizou os primeiros júris nas comarcas de São Miguel do Oeste, Dionísio Cerqueira e Itapiranga. É responsável por grande parte da evolução da Justiça na região, ícone de todas as gerações. “Cheguei a fazer dez júris por mês, uma época fiz dez aqui e outros 11 em Dionísio. Se matavam bem naquela época por aqui. Poderia ter ganho muito dinheiro, mas mais da metade fiz de graça, por amor a Justiça”, destaca.

A memória fotográfica exemplar lhe rendeu bons frutos quando o assunto eram os júris. Como quando acompanhou um em Chapecó e na falta de um advogado assumiu o posto. “Pedi me dê meia hora que eu faço. Li o processo nesse tempinho e fiz o júri, absolvi o homem”. Outra recordação é do momento mais marcante de sua carreira. “O primeiro júri, no dia da minha formatura. Me formei e no mesmo dia, à tarde, fui para o interior e acompanhei um amigo que ainda advoga, com mais de 90 anos. Foi um júri muito difícil, por que o pai foi morto pelo filho, com um golpe de foice. Um crime horrendo, que dá nojo, mas que precisava de um defensor. É difícil, mas entra em jogo a sua consciência profissional. Ainda assim, sempre preferi, gosto de coisas chocantes. E nesse júri, especificamente, após uma acusação exemplar do promotor, entrou o jovem advogado que se formará naquele dia. Comecei dizendo que ele merecia a forca, fui forte e assim foi por 20 minutos. Nos 20 minutos restantes apelei para a emoção, o júri tinha que ser feito e o meu trabalho era buscar sua absolvição. Falei que por traz da criatura horrenda havia uma mãe e pedi permissão para ler uma cartinha mal escrita, de uma mãe de um filho único, que estava passando fome e que precisava do filho com ela, que, apesar do crime, queria a liberdade. Resultado do júri: quatro à três, absolvido. Marcou por ser o primeiro, mas mais pelo final. Quando saí, fui abordado por dois jurados, que penalizados, fizeram uma vaquinha para repassar para a mãe. E a minha resposta foi: ‘que mãe? Não sei se ele tem mãe, eu inventei a carta’. Ficaram bravos comigo, mas não havia volta, eles já haviam votado”, recorda, para risos de quem acompanha o relato de mais uma memorável história.

A política foi outro ponto alto da carreira e da vida de Pichetti. Com apenas 28 anos, se elegeu deputado estadual. Se reelegeu e quando buscou uma cadeira na Câmara Federal, que perdeu por apenas 80 votos, apesar dos mais de 35 mil feitos. Se elegeu novamente deputado estadual, mas após optou por deixar a política de lado. Com a sua luta política, conseguiu grandes obras na região, como a abertura da rodovia que hoje liga São Miguel do Oeste a São Lourenço do Oeste, e abertura e asfaltamento da BR-282. Foi duas vezes secretário da Agricultura, quando fomentou a suinocultura, a produção de grãos e idealizou o que mais tarde se tornaria o programa troca-troca de sementes, além de trazer para a região o modelo de educação do colégio agrícola. Como político, viveu uma aventura na amazônia, quando em 1980 foi chefe da Casa Civil em Rondônia, fomentando o desenvolvimento e geração de energia para a população local. Foi o primeiro delegado Regional da Polícia Civil. Escreveu três livros e em seu escritório hoje, estão anotações para mais uma obra, dessa vez sobre a história de Juscelino Kubitschek.

Antônio Pichetti, aos 84 anos, impressiona pela lucidez e memória de uma carreira de mais de 60 anos - Foto: Ivan Ansolin/ Agência IAF

A vida profissional ficou de lado há apenas três anos. “Eu ainda tenho capacidade, mas fiquei doente, fisicamente. Meus filhos seguiram no Direito, mas não na área criminal e são mais modestos do que eu. Por que eu, eu sou bom mesmo”

Entre tantas idas e vindas, compromissos em todo o Estado e fora dele, temporadas residindo em outros locais, a família sempre voltou para o mesmo local. São 40 anos vivendo na mesma casa, em São Miguel do Oeste. “São Miguel do Oeste foi um abraço recíproco. Tenho muito apego por essa região e cidade, sempre voltei. Tive muitas oportunidades fora, no Direito e na política, mas sempre troquei tudo para voltar e fazer júris. Sou muito amarrado aqui, meus filhos nasceram aqui, minha vida é aqui”.

O advogado Antônio Pichetti com o corpo de jurados, promotor e juiz no primeiro júri realizado na comarca de São Miguel do Oeste - Foto: Arquivo Pessoal
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Fonte: Keli Fernandes/ Jornal O Líder
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