
Maria Vitali Spanhollo, de 101 anos (Foto: Camilla Constantin/O Líder)
Viver muito – e viver bem. Esse é um desejo que habita o coração de muitas pessoas. Afinal, quem nunca sonhou em ver o tempo passar, com autonomia e lucidez? Aos poucos, esse sonho tem deixado de ser apenas uma esperança distante, já que o Brasil registra um aumento significativo na expectativa de vida.
Aos 101 anos, Maria Vitali Spanhollo é um exemplo de que o tempo pode, sim, ser um aliado. Com memória afiada e lucidez no olhar que desafiam qualquer estatística, ela me recebeu em casa por volta das 10h, para um bate-papo sobre o que é essencial para ter uma vida longa, saudável e feliz.
“O segredo da longevidade é a paciência”, diz. Viúva e mãe de oito filhos, ela reside em Maravilha há mais de 40 anos. Dona Maria é enfática ao dizer que é preciso viver com mais calma, além de ter muita fé em Deus. Inclusive, ela conta que sempre teve boa saúde e que, até os 85 anos, não precisou de remédios.
Nascida em 19 de abril de 1924, em Bento Gonçalves (RS), teve uma infância feliz ao lado dos pais e dos irmãos. Mesmo se pudesse voltar no tempo, diz que não mudaria nada, afinal, mesmo com as dificuldades inerentes da época, teve o apoio incondicional da família. “Eles me davam o que eu precisava e até mesmo me incentivavam a pintar a unha, me arrumar, algo incomum naqueles anos”, relembra.
Quando pergunto sobre rotina, ela prontamente fala sobre crochê, sua atividade favorita. Não deixa de mencionar o quanto ama ler e acompanhar as notícias, além de beber uma taça de vinho vez ou outra.
Ao completar um século de vida, promoveu uma grande festa para comemorar. Para a ocasião, escolheu vestir um conjunto azul, chapéu e colar de pérolas, inspirada na Rainha Elizabeth. A chegada dos 101 anos, no último dia 19, também não deve passar em branco: o objetivo é celebrar com a família, em um encontro com filhos e netos agendado para este fim de semana. O look já está escolhido: dessa vez, na cor lilás. “É bem bonito”, disse ela, sorrindo.
ENVELHECIMENTO SAUDÁVEL
Cada vez mais pessoas têm ultrapassado a marca dos 100 anos. Mas o que, de fato, está por trás da longevidade? Quais escolhas, cuidados e fatores influenciam no envelhecimento saudável? Para entender melhor esse fenômeno, conversamos com a Drª Kathicia Furlanetto, geriatra e paliativista, que atua com medicina preventiva. Confira a seguir.

Drª Kathicia Furlanetto (CRM 24461) realiza atendimentos em Maravilha, na Unittá Clinica Integrada
1. Quais são os principais pilares que ajudam na busca por longevidade?
Com o envelhecimento populacional em ritmo acelerado, ouvimos cada vez mais a frase: “Queremos viver mais, mas com qualidade de vida.” Mas como alcançar essa longevidade tão desejada?
Embora não exista uma fórmula mágica, sabemos que o processo de envelhecimento resulta da interação entre fatores genéticos e, principalmente, das escolhas que fazemos ao longo da vida. Assim, alguns pilares fundamentais têm-se revelado essenciais para promover uma vida longa e com qualidade:
• Alimentação equilibrada: rica em frutas, verduras, grãos integrais, carnes magras e laticínios com baixo teor de gordura; pobre em ultraprocessados, sal, açúcar e gorduras saturadas.
• Estilo de vida ativo: incluir movimento no dia a dia e praticar atividade física regularmente, respeitando os limites individuais.
• Sono reparador: dormir bem é essencial para regular o metabolismo, o humor e a saúde cerebral.
• Saúde física e mental: gerenciar o estresse, adotar práticas de autocuidado e manter acompanhamento médico frequente.
• Conexões sociais saudáveis: cultivar vínculos afetivos, senso de pertencimento e participação comunitária.
• Espiritualidade e propósito de vida: ter objetivos, sentir-se útil e encontrar significado nas experiências cotidianas.
A busca pela longevidade tem inspirado muitas pessoas a adotarem rotinas mais saudáveis, com o objetivo de aproveitar cada fase da vida com vitalidade e autonomia.
2. Existe uma rotina ideal para quem quer viver mais e melhor?
Não existe uma rotina única e padronizada que funcione para todas as pessoas — afinal, cada indivíduo tem realidades, ritmos e responsabilidades diferentes. No entanto, hábitos saudáveis praticados de forma constante ao longo dos anos são a base de uma vida mais longa e com qualidade.
A chave está em adaptar as recomendações gerais à sua realidade, tornando-as práticas e sustentáveis. Alguns elementos fundamentais de uma boa rotina:
• Ter horários regulares para acordar e dormir.
• Praticar alguma atividade física, mesmo que leve, todos os dias.
• Ter momentos de lazer, descanso e socialização.
• Comer com atenção, priorizando alimentos naturais e variados.
• Fazer pausas durante o dia para respirar, relaxar e cuidar da mente.
Além disso, o acompanhamento médico regular é essencial para identificar precocemente alterações na saúde.
3. Quais hábitos são prejudiciais à saúde a longo prazo e devem ser evitados desde cedo?
O envelhecimento saudável começa muito antes da terceira idade. Estabelecer bons hábitos desde a infância, juventude e vida adulta é a melhor forma de prevenir doenças crônicas e promover o bem-estar ao longo dos anos. Segue alguns dos principais hábitos prejudiciais que devem ser evitados:
• Tabagismo: associado a câncer, doenças pulmonares, cardiovasculares.
• Consumo frequente de álcool: mesmo em pequenas doses regulares, pode causar danos ao fígado, aumentar o risco de câncer e acelerar o envelhecimento celular.
• Sedentarismo: contribui para obesidade, perda de massa muscular, doenças cardiovasculares, diabetes e demência.
• Alimentação rica em ultraprocessados e açúcares: aumenta a inflamação no corpo e está ligada a hipertensão, obesidade, diabetes tipo 2 e risco cardiovascular elevado.
• Excesso de exposição a telas: reduz o tempo dedicado a atividades físicas, pode perturbar o sono e favorece o isolamento social e a ansiedade.
Pequenas mudanças, quando feitas com consistência, podem gerar grandes transformações no futuro.
4. Como a medicina preventiva atua na promoção da longevidade?
A medicina preventiva é um dos pilares centrais do envelhecimento saudável. Seu objetivo é antecipar problemas de saúde, promover o autocuidado e garantir que as pessoas envelheçam com autonomia e qualidade de vida.
Como a medicina preventiva contribui para a longevidade:
• Acompanhamento regular de indicadores de saúde: controle de pressão arterial, colesterol, glicemia e peso reduz riscos silenciosos.
• Exames de rastreamento: como mamografia, papanicolau, colonoscopia, PSA (próstata) e tomografia de pulmão (para fumantes).
• Avaliação de osteoporose: especialmente indicada para mulheres a partir dos 65 anos.
• Vacinação atualizada: protege contra doenças que impactam especialmente os idosos, como gripe (influenza), covid-19, herpes-zóster, pneumococo e vírus sincicial respiratório.
• Promoção de saúde mental e prevenção da demência: estímulo cognitivo e suporte social fazem parte da abordagem preventiva.
• Prevenção de quedas e perda funcional: com orientações de atividade física segura, revisão de medicações e adaptações ambientais.
A medicina preventiva é um investimento no presente para colher saúde e autonomia no futuro.
“As rugas contam a minha história”, afirma Anna Maria Zanoto

Foto: Camilla Constantin/O Líder
Aos 73 anos, Anna Maria Zanoto enfatiza a importância de uma vida ativa. Ela, que dedicou grande parte da trajetória para a carreira de professora de educação física, acredita que é fundamental se amar, independente das mudanças do tempo. Casada, mãe de três filhos e com seis netos, não abre mão de passar horas agradáveis com as amigas e destaca a importância de conexões verdadeiras para a longevidade. Na sequência, confira a entrevista na íntegra.
1. O que você costuma fazer para se manter ativa, seja no âmbito físico ou mental?
Eu faço há muitos anos encontros semanais com as minhas amigas. Na quinta à noite com um grupo e na sexta à noite com outro grupo. Isso é muito importante, as amizades nos rejuvenescem. A gente sempre se deu muito bem, nos ajudamos e comemoramos as vitórias umas das outras. De tempos em tempos também viajamos juntas, o que é muito bom.
Faço artesanato, pintura em tecido e me mantenho ativa: musculação duas vezes por semana, hidroginástica duas vezes por semana e jogo padel, de duas a três vezes por semana. Todo dia tenho atividades, mas sábado e domingo são dedicados para descanso e família.
Por mais que eu ame minha casa, ficar sozinha e pintar, essas atividades me fazem viver, me fazem estar bem. É importante sair, conversar, fazer novas amizades.
Também sou voluntária da Rede Feminina. Há 28 anos, tive câncer. Mesmo no período de tratamento, continuei ativa. Se eu parasse e pensasse na morte, acredito que a doença me abateria.
2. Quais são as chaves para uma vida feliz e equilibrada?
É estar em paz consigo mesma, ter Deus na sua vida e procurar sempre fazer o melhor. E o mais importante: se amar muito.
3. Como você encara o processo de envelhecer?
Até os 70 anos eu não sentia tanto esse processo, foi depois disso que passei a sentir. É claro que há algumas limitações, mas é preciso entender que o passar da idade não é sinônimo de parar. Tenho como exemplo mulheres mais velhas que eu, que são super ativas. E as rugas contam a minha história. Não quero ser diferente do que sou.
O medo de morrer existe, mas eu estou focada na vida. E em viver bem.
4. Que conselho daria para os mais jovens?
Se valorize, se cuide, se ame, se divirta. Encontre uma profissão que te faça bem, é preciso gostar do que faz. Trate bem os outros e nunca fique parado, aposte sempre em atividade física. Não deixe o corpo ficar inativo. Com resistência física e cabeça em dia, você vai viver muito – e muito bem. Para as mulheres: sejam independentes, financeiramente e emocionalmente!
O que estamos ensinando às crianças sobre envelhecer?
Em uma sociedade onde a beleza e a juventude são reverenciadas, é fundamental ensinar às crianças que envelhecer é um fenômeno natural – e que faz parte do “estar vivo”. Tratar sobre o assunto, inclusive, é uma forma de incentivar um olhar mais respeitoso, principalmente em relação aos idosos.
Para enriquecer esse debate com o público infantil, uma indicação é o livro “Toda ruga tem uma história”, do autor israelense David Grossman. Nele, um avô e um neto conversam sobre as marcas deixadas pela vida, na pele e no coração.
Para aprender mais!
Se você quer aprender mais sobre o assunto, vale à pena assistir a série documental “Como viver até os 100: os segredos das zonas azuis”, disponível na Netflix. Os quatro episódios apresentam uma imersão profunda nas práticas e estilos de vida que definem as zonas azuis, áreas do mundo onde as pessoas vivem significativamente mais tempo do que a média.