VIOLÊNCIA - 12/10/2020 08:48 (atualizado em 12/10/2020 08:55)

ESPECIAL: As faces do relacionamento abusivo

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Foto: Diana Heinz/O Líder
Um relacionamento abusivo pode ser muito difícil de identificar. Além da violência física, podem acontecer abusos psicológicos. Isso ocorre quando uma das pessoas utiliza a manipulação para controlar o outro, interferindo no uso de roupas, amizades, redes sociais, demonstrando ciúme excessivo como forma de amor. Outro comportamento comum é a vitimização e a superproteção, que aos olhos dos outros pode parecer afeto.
Clarisse* viveu um relacionamento abusivo durante nove anos. Ela conheceu Carlos*, seu ex-marido, quando saiu de sua cidade natal para morar em Maravilha. Hoje, algum tempo após a separação, relembra de situações que nunca imaginou terem sido abusivas. “É como um filme que passa em minha mente toda vez que me deito. Lembro-me de tudo, só não percebia, pensava ser normal”, explica.
Uma das primeiras lembranças de seu relacionamento foi de uma viagem ao litoral. Carlos costumava comprar roupas para Clarisse. Em um dos passeios, ela resolveu usar outra peça. A atitude deixou seu parceiro nervoso. Ele a trancou dentro do quarto onde se hospedavam. Desesperada com a situação e sem entender o motivo, Clarisse pulou da sacada para o quarto ao lado e ligou para um casal de amigos que participou da viagem. Eles a buscaram e retornaram a Maravilha, sem Carlos. 
O casal não terminou o relacionamento após a situação. Ele implorou o perdão, como em diversas situações após aquela. Para Clarisse, aquilo era apenas ciúme, não havia motivo para um término. Ocasiões de abuso toraram-se rotina. Ainda no namoro, ela pegava um ônibus para visita-lo. A viagem sempre atrasava por conta das paradas para a entrada de novos passageiros. Segundo ele, o real motivo era que Clarisse possuía amantes. Ele a acusava de traições quase que diariamente e por qualquer motivo. No casamento os motivos foram os mais diversos: uso de hidratantes, depilação, corte de cabelos, roupas novas e até a visita de eletricistas e encanadores. 
Com o passar dos anos Clarisse deixou de usar hidratantes, parou de comprar roupas e só ia ao salão de beleza acompanhada da filha. Fotografava os poucos momentos fora de casa com a menina ao lado para não gerar brigas. Tentava ao máximo apaziguar um relacionamento que era uma guerra. Quando era acusada, justificava as situações com a verdade. Mas nunca era o suficiente, ele ficava chateado, bravo e não conversava mais com ela por um determinado período. Diversas vezes surgiam ameaças de violência. 
Por conta do trabalho, Carlos passava apenas os finais de semana em casa. Quando estava, as brigas eram constantes e os presentes também. Comprava roupas, calçados, joias e diversas outras coisas para a esposa. Mas ela dificilmente usava, porque ao se arrumar era acusada de traição. Porém se não se arrumasse, os xingamentos eram relacionados a desleixo. Um dos termos mais usados para o marido para se referir a Clarisse era museu. 
Visitar a família era muito raro. Carlos afastava a esposa de familiares e amigos. Todos que poderiam alertá-la da situação eram vistos como pessoas ruins, interesseiras e de má fé. Clarisse tentou tirar a própria vida por estar cansada da situação. Segundo ela, o que ocasionou o fato foi uma ameaça do marido em retirar a filha de casa. 
O que abriu seus olhos foi o relato de uma conhecida que passou pela mesma situação. Enquanto a mulher contava sobre seu relacionamento com um homem abusivo e violento, ela via Carlos e seus nove anos de casada. Pouco tempo depois, após fazer terapia, pediu a separação. Considera seu ex-marido um narcisista. Foi ameaçada, teve o celular clonado e muitas outras coisas aconteceram. Mesmo assim sente-se livre e seu maior desejo ao contar essa história ao Jornal O Líder é que ninguém mais passe por isso. 

 “Ele me fez tão mal que é difícil explicar. Hoje consigo ver o que não vi por tantos anos. A situação afetou a mim e a minha filha de uma maneira que hoje sei o significado de liberdade. Ele me deixava no fundo do poço só para me tirar de lá e jogar de novo. Era um ciclo interminável”, explica. 
* Os nomes da história foram alterados para proteção da vítima e dos envolvidos. 

SINTOMAS DE UM RELACIONAMENTO ABUSIVO 
- Quando o parceiro ou parceira faz pouco caso de conquistas, ridiculariza opiniões e gostos;
- Afirma que apenas ele pode amar e aceitar do jeito seu companheiro (a). Faz com que o outro se sinta culpado pelas reações agressivas dele. Manifesta ciúmes com muita frequência e por bobagens e alega que teve uma atitude desequilibrada porque estava estressado ou bêbado; 
- Vigia hábitos, conversas e redes sociais. Pede ainda que o companheiro (a) se afaste de amigos ou familiares; 
- Controla sua vida financeira e proíbe que use alguma roupa ou ande com determinada companhia; 
- Consegue impor vontades, inclusive forçar relações sexuais;
- Deixa o parceiro (a) com medo, constantemente infeliz e com a autoestima ferida. Grita ou desconta a raiva em objetos e pede desculpas constantemente. Diz que vai mudar, mas não altera o padrão de comportamento. Faz ainda seu companheiro acreditar que é responsável por ele.
Psicóloga orienta sobre relacionamento abusivo

Foto: Arquivo/O Líder 
O Jornal O Líder conversou com a psicóloga Fernanda Moraz sobre o tema. Ela respondeu uma série de perguntas que podem auxiliar pessoas que vivem em relacionamentos abusivos, ou que presenciam situações semelhantes. 
Pergunta: O que fazer se estou vivendo um relacionamento abusivo? 
Resposta: Se por acaso você enfrenta um relacionamento parecido, procure apoio, busque trocar ideias com pessoas de sua confiança, seus amigos ou familiares. Leia e veja vídeos sobre o assunto, se fortaleça. Nunca se isole. O Isolamento só aumenta a tristeza e reforça a sensação de incapacidade que o agressor oferece.
P: É necessário conversar com o companheiro (a) sobre seus comportamentos ou o melhor a se fazer é terminar?
R: Nem sempre o abusador sabe que está abusando e nem sempre o abusado percebe que está sendo dominado. Então uma boa conversa pode mudar o rumo da relação, o parceiro pode mudar de comportamento e passar a fazer tudo o que o que você sugere, no entanto dependendo o estágio em que se encontra o relacionamento, as agressões podem se intensificar e piorar. E, para romper com este ciclo é muito importante que a vítima conscientize-se que tem dificuldade em deixar este relacionamento, mesmo que isso implique em mais sofrimento do que bem estar.
P: Pessoas que enxergam familiares ou amigos vivendo em um relacionamento abusivo podem ajudar de que maneira?
R: É muito difícil de perceber e sair de um relacionamento abusivo sem a alguma intervenção da família, de um amigo ou até mesmo psicológica. Então se você conhece alguém que vive um relacionamento abusivo ofereça apoio, não critique, não julgue por que a pessoa demorou tanto demorou tanto para perceber. Muitas vezes é por vergonha, outras é por dependência financeira e na maioria é por medo de não ser compreendido, pois o abusador coloca-se numa posição de vítima e faz o outro sentir-se culpado. Ofereça leituras e vídeos para que a vítima se informe sobre o assunto e assim se fortaleça, ou até mesmo sugerir a psicoterapia. Em casos mais graves onde é notada a violência ou a iminência de morte ligue 180 na Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, é um serviço de utilidade pública gratuito e confidencial (preserva o anonimato), ou chame a Polícia através do 190.
P: Por que a maior parte das vítimas é mulher?
R: Diferentes pesquisas apontam que em mais de 80% dos casos o abusador é um homem e a vítima é uma mulher. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), uma em cada três mulheres já sofreu violência sexual ou física, que aponta que a maioria é praticada por parceiros. Conforme aponta o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), livro utilizado na psiquiatria e na psicologia para embasar estudos e diagnósticos, entre aqueles indivíduos diagnosticados com transtorno da personalidade narcisista, 50 a 75% são do sexo masculino. Este Transtorno está relacionado a padrões exagerados e agressivos de comportamentos, comumente notados naqueles que praticam algum tipo de violência ou abuso contra suas parceiras.
P: Quais são as consequências de um relacionamento abusivo? E como começar a superar?
R: As consequências deste tipo de relacionamento destrutivo podem levar à vítima a desenvolver diversos sintomas como ansiedade, depressão, baixa autoestima, estresse pós-traumático, estresse pós-traumático complexo, doenças psicossomáticas, fibromialgia, doenças autoimunes, câncer, e pode até mesmo levá-las à morte por suicídio. Para superar tudo isso é preciso melhorar a autoestima, a partir do autoconhecimento, reconhecendo os próprios valores, para compreender quais são as dificuldades não elaboradas que a leva a buscar, ilusoriamente, a solução nos relacionamentos tóxicos. O amor próprio é fundamental para que uma pessoa não se permita viver relações abusivas. É preciso entender que amar a si mesmo não é sinal de egoísmo, e sim de considerar que não é merecedor de qualquer coisa que o outro ofereça, pois só é possível tratar as consequências da violência psicológica quando ela acaba.
P: Pais que estão neste tipo de relacionamento podem prejudicar os filhos que vivenciam este tipo de situações?
Embora os pais achem que estão deixando os filhos fora de seus problemas conjugais, eles sentem-se como parte do problema, e por vezes até sentem-se culpados por tal. Crianças que vivem em lares onde um dos pais frequentemente age de forma abusiva costumam assistir, ouvir e intervir em episódios onde, o outro normalmente a mãe ou a própria criança sofre ameaças, injúria, crises de ciúmes e maus-tratos psicológicos e, em decorrência disso, correm risco de enfrentar diversos problemas psicossociais, tendendo a isolarem-se, a tornarem-se agressivas ou até mesmo problemas alimentares. Também podem enfrentar diversos problemas psicológicos, emocionais, comportamentais, sociais e escolares. Mas nem todas as crianças reagem da mesma forma, algumas crianças podem vivenciar problemas menos severos do que outras.
P: O que é uma personalidade narcisista e como identificar se estou vivendo com alguém assim?
R: Na personalidade Narcisista o indivíduo apresenta um transtorno de personalidade em que há alterações nos traços que representam os padrões de pensamento, percepção, reação e relacionamento. A característica essencial do transtorno da personalidade narcisista é um padrão difuso de grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia. Eles acham que são superiores, originais ou especiais. Essa superestimação de seu próprio valor e realizações muitas vezes implica uma subestimação do valor e das realizações dos outros. Estão preocupados com fantasias de grandes realizações, de serem admirados por sua inteligência ou beleza, de ter prestígio e influência ou de experimentar um grande amor. Eles sentem que devem se relacionar apenas com outros tão especiais e talentosos quanto eles mesmos. Esse relacionamento com pessoas extraordinárias é usado para suportar e melhorar sua autoestima, geralmente muito frágil. Eles são sensíveis e se chateiam com as críticas dos outros e pelo fracasso, o que faz com que se sintam humilhados e derrotados. Eles podem se afastar ou aceitar externamente a situação em um esforço para proteger sua sensação de grandiosidade. Eles podem evitar situações em que podem falhar. Também comumente podem responder com raiva ou desprezo e podem contra-atacar violentamente. O narcisista é um abusador psicológico por excelência. No entanto acredita-se que os abusos psicológicos são praticados apenas por psicopatas ou narcisistas perversos. Mas não são. É verdade que alguns transtornos podem potencializar esse comportamento, porém qualquer pessoa pode agir assim, por variados motivos, como o racismo e o machismo.

"Entre aqueles indivíduos diagnosticados com transtorno da personalidade narcisista, 50 a 75% são do sexo masculino. Este Transtorno está relacionado a padrões exagerados e agressivos de comportamentos, comumente notados naqueles que praticam algum tipo de violência ou abuso contra suas parceiras", disse a psicóloga. 







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Fonte: Wh Comunicações/ Diana Heinz/ Jornal O Líder
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