Em um continente com cerca de 1,3 bilhão de pessoas, há 137 mortes, que representam 0,4% do total das vítimas de Covid no mundo. Mas os números não significam que o cenário africano seja favorável.
"Nós sensibilizamos a população à noção de distanciamento social. Um comitê de resposta foi criado. As províncias também estão se organizando, e células de crise estão sendo criadas em todos os lugares. É preciso agir rápido se quisermos evitar uma hecatombe", disse, referindo-se às medidas adotadas em seu país natal, a República Democrática do Congo. Até o dia 30, o país tinha 8 mortes por Covid-19 reportadas à OMS.
Para Mukwege, a África "claramente não tem meios de enfrentar a praga" da Covid-19. "Alguns países são mais afetados que outros, notadamente a África do Sul, com mais de 400 casos, Argélia, com 230 casos, Marrocos, com 143 casos, Senegal, com 79 casos. A doença está, portanto, progredindo extremamente rápido e estou muito preocupado", declarou o médico congolês.
"A África do Sul, Joanesburgo, tem um hospital, que é o maior, e, se eu achava que o pronto-socorro brasileiro era lotado, eu descobri que não é, perto do que é aquilo", relata Paulo Lotufo. "E não são [hospitais] descentralizados, são vários hospitais grandes, a chance de contaminação é grande. A África do Sul torna o Brasil um exemplo de igualdade social", afirma o epidemiologista.
Mas as restrições também adotadas em vários outros países africanos – inclusive em alguns que nem registraram casos, como Serra Leoa e Malaui –, se tornam difíceis em lugares com pouca infraestrutura. Moçambique, por exemplo, ainda se recupera do ciclone Idai, um ano depois. Outro fator pode agravar a situação africana é a alta incidência de outras doenças infecciosas, como tuberculose e HIV.
"A África tem necessidade urgente de kits, máscaras, ventiladores [mecânicos], equipamentos de proteção para profissionais de saúde", alertou. "Ainda podemos evitar o pior na África, mas, sem uma mobilização massiva, teremos milhões e milhões de pessoas contaminadas, o que significa milhões de mortes", alertou.
A Covid-19 demorou certo tempo para se espalhar em todas as regiões da África. O primeiro caso foi registrado no Egito, no norte, em 15 de fevereiro. Na África do Sul, o primeiro caso foi registrado somente no dia 6 de março. Outros países, como Guiné-Bissau e Mali, só reportaram o primeiro caso à OMS no dia 26.
“Lugares que têm casos há mais tempo têm pessoas mais doentes, mais hospitalizadas, em estado grave, que vão ter ‘tempo de morrer’. Considerando o tempo de incubação, de 7 a 10 dias, que a pessoa vai pro hospital, fica um tempo internada na enfermaria, vai para a UTI – é um tempo prolongado, de 15 a 20 dias. Isso não é novidade, a gente já viu em outras equações”, afirma.
"Vão tendo outros casos de Covid-19 que estão com outro diagnóstico: um que já estava velhinho, infartou, teve AVC, aí você vai ver e foi Covid. Quem está na linha de frente – a OMS, as secretarias, o Ministério da Saúde – está fazendo o melhor possível nessa situação. Hoje, não temos por que discutir isso. Somente daqui a um, dois anos, a gente vai ver qual é o real impacto, ao olhar a curva histórica e ver se houve um aumento da mortalidade geral [no mundo]", explica.