exclusivo - 09/08/2021 08:13

Lei afasta pais e filhos adotados nas maiores cidades de Santa Catarina

Servidores públicos têm dificuldades para obter licença de trabalho após adotar filhos. Entenda os motivos que envolvem essa situação em Joinville, Florianópolis e Blumenau
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A adaptação ao novo lar é um dos momentos mais importantes e decisivos no processo de adoção de uma criança ou adolescente. São pessoas e histórias diferentes que se encontram para construírem uma vida juntas, o que exige tempo para adequação à nova realidade. Para servidores públicos de Joinville, o processo pode ser mais complicado por causa das limitações impostas pela lei municipal, que prevê restrições para concessão de licença de trabalho para quem adota uma criança.

Atualmente, a lei complementar 266, de 2008, diz que apenas servidoras (gênero feminino) da prefeitura têm direito aos 180 dias de licença remunerada após adotar ou tiver guarda judicial de uma criança. O texto da lei afirma que o tempo é para adaptação ao novo lar. No entanto, o mesmo artigo da legislação detalha que a licença poderá ser concedida “ao servidor do sexo masculino que conste como único adotante”. Isso impede que homens em união homoafetiva, por exemplo, também desfrutem da licença para auxiliar na adaptação da criança ao lar.

Uma nota pública divulgada em julho pela Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção (Angaad) apontou a necessidade de uma atualização na legislação joinvilense. Segundo a entidade, a lei municipal “prejudica o pleno desenvolvimento da criança e do adolescente adotados por servidores públicos casados ou em união homoafetiva. A Angaad afirma que a limitação está em “dissonância com os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana”.

– Ao servidor que, acompanhado de outra pessoa do sexo masculino, adote um filho/a, é vedado um direito que o dispositivo assegura às servidoras. Para elas, o benefício, acertadamente, independe de a adoção construir monoparentalidade – ressalta a associação.

A Angaad ainda afirma que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não distingue gênero para a concessão de licença ao empregado que adote uma criança ou adolescente em companhia de cônjuge ou companheiro. Assim como a Constituição Federal veda a discriminação entre homens e mulheres. O documento assinado pela associação ainda aponta outro problema existente na atual legislação, que cita exclusivamente a adoção de crianças, e ignora os adolescentes no texto sobre a concessão de licença.

– Na adoção de crianças de maior faixa etária e na de adolescentes, a adaptação pode ser complexa. Diferentemente do bebê, esse perfil de adotando já é capaz de apresentar repertórios que irão exigir dos novos pais um posicionamento frente às escolhas, opiniões e expressões. Pode haver, ainda, necessidades específicas de acompanhamento médico, psicológico, terapêutico ou de apoio escolar – destaca a associação.

Procurada pela reportagem, a prefeitura informou que as secretarias de Governo e Gestão de Pessoas não receberam a nota pública da Angaad. O município não explicou o motivo de existir diferença nas regras de licença para servidores homens e mulheres. Porém, afirmou que a alteração na legislação para incluir a possibilidade de licença adotante de 180 dias para homens e também para quem adotar adolescentes está em estudo pelo Núcleo de Apoio Técnico da Secretaria de Gestão de Pessoas.
“A nossa filha já está há quatro meses com a gente e todo esse tempo estamos perdendo isso tudo porque não conseguimos a licença."

Servidor de Joinville teve pedido de licença negado
O pedido da Angaad para revisão da lei municipal surgiu a partir de uma manifestação do Grupo de Estudos e Apoio à Adoção de Joinville (Geaaj), filiado à associação nacional. A entidade joinvilense teve acesso ao caso de um servidor da prefeitura com licença de 180 dias negada após adotar uma criança de cinco anos. Desde abril, ele e o marido estão com a filha em casa, mas sem ter acesso ao período integral de adaptação devido à recusa do município em conceder o direito. A reportagem preferiu omitir o nome do servidor para preservar a família.

– Por que um casal homoafetivo é diferente dos outros, sendo que não pode ter discriminação? A prefeitura publicou nas redes sociais no Dia do Orgulho que se preocupa com a diversidade e não é isso que está fazendo – critica o servidor.

Após a negativa do município, o funcionário público protocolou um recurso no sistema da prefeitura, mas que também foi recusado. A reportagem procurou a prefeitura para explicar o motivo da licença ser negada e o porquê da distinção para servidor com relações homoafetivas no momento de concessão da licença adotante. O município apenas apontou os artigos da lei em vigor, sem responder os motivos para as decisões.
A saída encontrada pelo servidor, após negativas da prefeitura, foi entrar com um pedido na Justiça para tentar ter acesso à licença adotante. O processo foi protocolado recentemente e ainda não teve uma decisão. Enquanto isso, o casal se organiza da maneira que pode para que a adaptação da menina seja a melhor possível.

– Uma criança que nasce em uma família vai convivendo com as pessoas e aprendendo como elas são. Só que uma criança adotada chega na família e precisa entender o pertencimento. Isso é vital. A nossa filha já está há quatro meses com a gente e todo esse tempo estamos perdendo isso tudo porque não conseguimos a licença – explica o servidor, que vai comemorar o primeiro Dia dos Pais neste domingo, dia 8 de agosto.

Todo o processo de adoção foi programado pelo casal para que ambos tivessem tempo para se dedicar à criança. Os dois estão juntos há 16 anos e protocolaram o pedido de adoção em 2017. O planejamento previa que o marido do servidor desse entrada na aposentadoria logo em seguida e o funcionário público solicitaria a licença adotante assim que uma criança fosse encontrada para o casal. O objetivo era que ambos pudessem se voltar exclusivamente aos cuidados da filha em um período que é vital para que a adoção tenha sucesso.

Além disso, eles venceram todas as etapas exigidas no processo de adoção: avaliações documental, psicológica e de saúde; entrevista psicossocial; e curso obrigatório do Fórum. Apenas depois de cumprir todos esses passos é que o Ministério Público avaliou e aprovou a habilitação para que o casal entrasse no cadastro nacional de adoção. De outro lado, a criança também passou por todo o processo de preparação para a adoção, com apoio de psicóloga e assistente social.

– Nesse cruzamento foi tentado dez casais e nós fomos o décimo. Quando recebemos a ligação foi emocionante. Ela é uma criança ativa, maravilhosa, quer fazer um monte de coisas, mas demanda da gente estar presente, ouvir e entender o jeitinho dela – conta o servidor.

O pai salienta que, sem a licença adotante, precisa se desdobrar entre trabalho e lar. Além da alfabetização, que exige uma participação importante dos pais, sobretudo neste período de pandemia, ainda há uma série de outras demandas educacionais, psicológicas e comportamentais da criança nesta fase. Isso tudo seria facilitado se pudesse ter acesso aos 180 dias de licença adotante, diz ele.

Restrições para licença também em outras cidades de SC
Em um contexto estadual, a lei complementar 447, de 2009, que regra a licença adotante para servidores, não faz distinção de gênero. Os 180 dias são previstos para homens ou mulheres que adotem uma criança ou adolescente de até 12 anos. Em caso de adoção por parte de um casal de servidores, apenas um deles tem direito à licença, enquanto o outro pode solicitar 15 dias.

Apesar de a legislação estadual estar mais atualizada em relação ao assunto, as leis das maiores cidades de Santa Catarina também ficaram para trás, a exemplo de Joinville. Em Florianópolis, os servidores homens que adotarem uma criança têm direito a apenas cinco dias consecutivos de licença, enquanto a funcionária pública do gênero feminino pode receber 120 dias.

A lei complementar 63, de 2003, ainda aponta que servidores (homens ou mulheres) da capital catarinense poderão usufruir do direito apenas em caso de adoção de crianças com idade de até seis anos incompletos. A legislação não prevê licença para funcionários públicos que adotem filhos acima desta idade.

Segundo a prefeitura de Florianópolis, o estatuto do servidor é de 2003 e a legislação que trata sobre a adoção de crianças por parte de servidores está defasada. O município informou que enviará o caso ao departamento de recursos humanos para que se iniciem estudos para atualização da lei.

Problemas semelhantes são encontrados em Blumenau, onde a legislação também é mais restritiva do que a estadual. A lei complementar 660, de 2007, prevê concessão de 180 dias de licença para a servidora do gênero feminino em caso de adoção. Para os funcionários públicos municipais homens, são garantidos apenas os 20 dias de licença paternidade.

Em nota, a prefeitura de Blumenau afirmou que a legislação municipal se espelha no regramento vigente para os servidores federais. O município ainda disse que não tem registros de pedido da licença por pais casados com pessoas do mesmo sexo, mas que, em caso de demanda, poderá ser encaminhado para interpretação jurídica.

A prefeitura também ressaltou que no caso de servidores em cargos de confiança ou admitidos em caráter temporário (ACTs) – ambos com regime geral de previdência social (RGPS) – aplica-se a lei federal 8.213, de 1991, que prevê o benefício sem distinção de gênero.

Confira o que diz a legislação do Estado e de cada cidade:

> Joinville

Lei complementar 266, de 5 de abril de 2008
Art. 127 - À servidora que adotar ou tiver a guarda judicial de criança, serão concedidos 180 dias de licença remunerada para a adaptação do adotado ao novo lar.
Parágrafo Único. Idêntica licença conceder-se-á ao servidor do sexo masculino que conste como único adotante.

> Blumenau
Lei complementar 660, de 28 de novembro de 2007
Art. 276 - A licença-paternidade será de 20 dias consecutivos, a contar da data do nascimento.
Parágrafo Único - Ao servidor que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção será concedida a licença prevista no caput, a contar da data da emissão do respectivo ato.
Art. 277 - Será concedida, durante 180 dias, licença à servidora:
II - adotante, ou que obtiver guarda judicial para fins de adoção, contados da data da expedição do respectivo ato.

> Florianópolis
Lei complementar 63, de 2003
Art. 103 - Aos Servidores que adotarem crianças com idade até 6 anos incompletos, são assegurados os direitos previstos nos incisos XVIII e XIX do art. 7º da Constituição Federal, sendo de 120 dias o período concedido à mulher e de 5 dias consecutivos concedido ao homem, mediante apresentação de documentos comprobatórios do procedimento de adoção.

> Santa Catarina
Lei complementar 447, de 7 de julho de 2009
Art. 4º É assegurado ao servidor efetivo licença de 180 dias em caso de adoção de criança de até 6 anos incompletos, ou quando obtiver judicialmente a sua adoção ou guarda para fins de adoção.
§ 1º Em caso de adoção por cônjuge ou companheiro, ambos servidores públicos efetivos, a licença de que trata o caput deste artigo será concedida da seguinte forma:
I - 180 dias ao servidor adotante que assim requerer; e
II - 15 dias ao servidor, cônjuge ou companheiro adotante que assim requerer.
Fonte: AN/NSC
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