Internacional - 17/08/2021 08:25

Entenda o conflito no Afeganistão com volta do Talibã ao poder em 10 perguntas e respostas

Aeroporto teve mortes e tumulto com pessoas tentando deixar o país, temendo o regime do grupo extremista
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A volta do grupo extremista Talibã ao poder no Afeganistão provoca temor sobre como será o novo governo do país e causa cenas que impressionam o mundo. A capital Cabul teve tumulto e ao menos sete mortes no aeroporto depois que pessoas tentaram embarcar à força em aviões para deixar o país. Mas o que está por trás da crise e dos conflitos que voltam a assolar os afegãos?

O Talibã já esteve no poder no Afeganistão entre 1996 e 2001. Nesse período, comandou um governo com leis religiosas severas, com proibição de que mulheres pudessem trabalhar e estudar, penas como execução pública de assassinos e outras ações que ferem os direitos humanos.

O grupo extremista deixou o poder depois do ataque terrorista às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001. Tropas americanas ocuparam o país sob o argumento de que o Talibã estaria se recusando a entregar o terrorista Osama Bin Laden, líder do grupo terrorista Al Qaeda, próximo dos talibãs e apontado como mentor do atentado nos Estados Unidos.

Em 2020, um acordo feito pelo governo americano e o Talibã definiu que os Estados Unidos retirariam as tropas que atuavam há 20 anos no país, e que ajudaram a conter um possível avanço do grupo extremista no país. No início de julho de 2021, os EUA informaram que a retirada já estava “mais de 90% concluída”. Em poucas semanas, o Talibã tomou o poder em cidades importantes do Afeganistão.

Neste domingo (15), chegou à capital do país, Cabul, e já ocupou o palácio presidencial. O presidente Ashraf Ghani deixou o país com o argumento de evitar um “banho de sangue”, e reconheceu a vitória talibã.

Com a volta do Talibã ao comando, o temor principal é de que o grupo imponha um novo regime rigoroso de interpretação das leis islâmicas, com violação de direitos, prisões e execuções. Líderes de outros países também manifestam preocupação com possíveis abusos no Afeganistão.

Entenda a crise no Afeganistão em 10 perguntas e respostas
Por que os Estados Unidos retiraram as tropas do Afeganistão?
A retirada das tropas americanas do Afeganistão era uma defesa do ex-presidente Donald Trump e que foi mantida pelo atual presidente, Joe Biden. O professor de História das Relações Internacionais da Univali, Itamar Siebert, explica que Trump iniciou uma negociação com o Talibã prevendo a retirada das tropas desde que o Talibã cumprisse uma série de exigências, como abandonar o terrorismo e a proximidade com grupos como Al Qaeda.

Siebert explica que o acordo de Trump previa a retirada escalonada dos militares, à medida que o Talibã cumprisse as exigências. Mas em abril deste ano, Biden anunciou que retiraria as tropas americanas do país até 11 de setembro, quando se completam 20 anos do ataque ao World Trade Center. Ele diz que a medida chegou a ser desaconselhada pelo comando militar americano, porque o governo afegão não teria condições de controlar a situação. Menos de quatro meses após o anúncio, o Talibã voltou a avançar e retomou o poder do país.

– Esse é um baque na popularidade de Biden, pelo fato de ter havido uma avaliação equivocada (sobre a forma de retirada das tropas). Os Estados Unidos vão continuar agindo, sem tropas em terra, mas com ataques por drones, o que aumenta o risco aos civis, mas é uma situação complexa e que cola uma imagem de derrota para os Estados Unidos – avalia.
Por que os Estados Unidos invadiram o Afeganistão?
A ocupação do Afeganistão por tropas dos Estados Unidos ocorreu após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. A motivação era a caçada pelo terrorista Osama Bin Laden como resposta ao atentado às Torres Gêmeas que causaram mais de 3 mil mortes em Nova York.

O Talibã, que comandava o país à época, era acusado de se recusar a entregar o líder da Al Qaeda, e se tornou alvo de uma política chamada de “Guerra ao Terror”, conduzida pelo então presidente norte-americano George W. Bush. Os EUA derrubaram o governo dos talibãs e se mantiveram no país na busca por Bin Laden e na tentativa de controlar a situação no país.

Os Estados Unidos chegaram a ter 14 mil soldados no país e gastaram mais de R$ 1 trilhão de dólares nesses 20 anos.

– Foi um erro invadir o Afeganistão? Talvez não. Mas após a morte de Bin Laden, em 2011, e sem “seduzir corações e mentes”, a presença dos americanos não mais se justificava, e era preciso uma retirada estratégica. Mas sair de um país ocupado às vezes é mais difícil do que entrar – afirma o professor Itamar Siebert, que vê muitas semelhanças entre a situação vivida hoje no Afeganistão e o desfecho da Guerra do Vietnã, em 1975.

Por que o Afeganistão é o “cemitério dos impérios”?
O professor Itamar Siebert explica que o Afeganistão é conhecido como “cemitério dos impérios”, justamente por nunca ter sido totalmente controlado por nenhum dos Estados que tentaram conquistá-lo.

O país resistiu a invasões britânicas ainda no século 19 e, depois disso, viveu décadas de independência da influência estrangeira sob comando de uma monarquia. Na década de 1970, o Afeganistão se tornou um país socialista, pela proximidade que tinha com a antiga União Soviética.

Mas entre 1979 e 1989, o país viveu uma guerra civil entre soviéticos que tentavam manter o socialismo e grupos religiosos rebeldes contrários ao regime, chamados de mujahidins. Esses grupos receberam apoio financeiro e de armas de nações como Arábia Saudita e Estados Unidos, interessados em conter os soviéticos pelo contexto da Guerra Fria. Novamente os estrangeiros não conseguiram controlar o Afeganistão, e os russos deixaram o país ao final da década de 1980, num dos últimos atos antes da dissolução da União Soviética.

- Agora, mais uma vez um grande império deixa o Afeganistão sem conseguir controlar o país - frisa o professor Itamar Siebert.

Como surgiu o Talibã?
O Talibã surge como um grupo ainda mais radical que fazia parte dos mujahidins, assim como a Al Qaeda, do terrorista Osama Bin Laden, todos com apoio americano durante o conflito com os soviéticos.

O Talibã surgiu oficialmente em 1994, período em que o Afeganistão ainda estava devastado pela guerra de 10 anos contra os soviéticos, entre 1979 e 1989, e por outros conflitos.

Os membros do Talibã eram formados nas madrasas (escolas de estudos islâmicos) do país vizinho Paquistão, onde esse grupo de islâmicos sunitas encontrou refúgio durante o conflito com os soviéticos. Eles eram liderados pelo misterioso mulá Mohamad Omar, que morreu em 2003.

Os talibãs prometeram restaurar a ordem e a justiça e cresceram rapidamente. Tiveram uma série de conquistas territoriais até que em 27 de setembro de 1996 ocuparam Cabul. Eles expulsaram o presidente Burhanuddin Rabbani e executaram publicamente o ex-presidente comunista Najibullah.

O Talibã exerceu o poder no Afeganistão entre 1996 e 2001, até a ocupação das tropas americanas ocorrida após o ataque de 11 de setembro.
Como foi o governo do Talibã no Afeganistão?
Após assumir o poder em 1996, o Talibã impôs uma lei islâmica estrita que proibia jogos, música, fotos ou televisão, entre outros. As mulheres não podiam mais trabalhar e as escolas para meninas foram fechadas.

As penas que eles ordenavam incluíam cortar as mãos de ladrões, executar assassinos em público, esmagar homossexuais sob uma parede de tijolos ou apedrejar mulheres adúlteras.

O território do Talibã (que chegou a controlar até 90% do Afeganistão) tornou-se um santuário para extremistas islâmicos de todo o mundo, que vinham treinar, principalmente membros da Al-Qaeda, do terrorista Bin Laden.

Quando o Talibã saiu do poder?
Após os ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, executados pela Al-Qaeda, houve uma recusa do regime Talibã em entregar Bin Laden, da aliada Al Qaeda. Com isso, o governo dos Estados Unidos e os aliados da OTAN lançaram uma ampla operação militar no país em 7 de outubro do mesmo ano.
Em 6 de dezembro, o regime do Talibã caiu. Os líderes do grupo fugiram junto com os da Al-Qaeda para o sul e leste do país e também para o Paquistão.
O Talibã deixou de atuar após 2001?
O Talibã precisou recuar após sair do poder e ver as principais áreas do país ocupadas pelas tropas dos Estados Unidos, mas sempre esteve em atividade em montanhas e áreas mais periféricas do país, explica o professor de História das Relações Internacionais, Itamar Siebert. Ataques e emboscadas contra as forças armadas ocidentais se multiplicaram após esse período.

Em julho de 2015, o Paquistão sediou as primeiras discussões diretas, apoiadas por Estados Unidos e China, entre o governo afegão e o Talibã. No entanto, o diálogo não avançou.

Como foi o acordo do Talibã com os EUA?
Em meados de 2018, os americanos e o Talibã iniciaram negociações silenciosas, que foram interrompidas várias vezes após ataques a tropas americanas.

Em 29 de fevereiro de 2020, ainda no governo de Donald Trump, os Estados Unidos assinaram um acordo histórico com o Talibã, que previa a retirada de soldados estrangeiros em troca de garantias de segurança e a abertura de negociações entre os insurgentes e o governo afegão.

Em 6 de julho de 2021, já sob a gestão de Joe Biden, os militares dos EUA anunciaram que sua retirada estava "mais de 90% concluída". Cinco semanas depois, o Talibã entra na capital, Cabul, e o presidente Ashraf Ghani, que deixou o país, admite que os insurgentes "venceram".
O que o Talibã defende?
O Talibã é considerado um grupo radical da corrente sunita e defende uma teocracia de cunho islâmico. Consiste no funcionamento do Estado com base no Alcorão e na Sharia, sistema de leis baseado no islamismo. O professor de História das Relações Internacionais da Univali, Itamar Siebert, explica que no Ocidente esse conceito costuma ser chamado de fundamentalismo.

— Nós costumamos ter a concepção de que política é uma coisa, e religião é outra, é algo de foro íntimo. Temos o Estado laico. Na teocracia, entende-se que o aparato político depende do princípio religioso, as regras são voltadas aos fundamentos da religião islâmica – por isso fundamentalismo — explica.

Como comparação, o professor cita que é como se o presidente do Brasil tivesse o Parlamento, mas tivesse também que submeter as decisões políticas à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), fazendo um paralelo com a principal entidade católica do país.
Como será o futuro do Afeganistão?
O impasse também pode afetar relações que vão além do Afeganistão. Segundo o professor da Univali, Itamar Siebert, o território afegão é alvo de interesses de outros países, como a Índia e a China, que têm projetos de redes de energia e rotas comerciais que passam pelo local. Isso pode gerar reações de outras nações em busca do histórico desafio de controlar o país.

– Vai haver estabilidade? Agora é ter confiança de que o Talibã vai parar com o terrorismo, respeitar os estrangeiros, vai cumprir os termos da negociação se quiser algum reconhecimento internacional. Mas é uma hipótese difícil de acreditar, porque nesses 20 anos eles seguiram atacando e os alvos preferidos eram civis estrangeiros – analisa o professor.

Para entender mais sobre o Afeganistão:
O caçador de pipas
O livro de Khaled Hosseini, que virou filme, conta a história de Amir, um garoto rico de Cabul, no Afeganistão, que precisa lidar com a culpa de ter traído um criado e amigo. A história tem como pano de fundo fatos políticos de conflito da história do país, como a queda da monarquia, o golpe comunista e a fuga de moradores após o início do regime talibã.
O homem que queria ser rei
O livro de Rudyard Kipling, que também virou filme, conta a história de dois ex-soldados britânicos, expulsos do exército e que vão à Índia, à época dominada pela Grã-Bretanha, em busca de aventuras, mas que se tornam reis do povo da região do Cafiristão, onde nenhum homem branco havia habitado há séculos.
Fonte: DC
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