Narrando os fatos que sucederam após o incêndio, Spohr entrou desespero e declarou estar farto.
Ele afirmou que perdeu amigos, funcionários e que recebeu mensagens de pessoas dizendo que ele deveria “se matar”. Nesses momentos, deixou de falar ao microfone do júri e se virou em direção às famílias das vítimas que acompanham no plenário. Disse que nunca desejou a tragédia e que a Kiss era uma boa casa de festas. Enquanto Spohr se justificava, aos prantos e gesticulando nervosamente, parentes de falecidos na tragédia deram as mãos e se abraçaram, em corrente. Um intervalo de 40 minutos para a janta foi chamado para interromper esse momento de maior comoção e dor desde o começo do júri.
— Era uma vizinha o problema. Eu tentei de tudo pra resolver. (...) Fizemos a obra, trocamos o palco de lugar, e seguia o barulho. A gente fez parede de pedra, forro duplo de gesso com lã de rocha e lã de vidro. Continuou. Vibrava o quarto da vizinha. Foi feito uma parede, ou duas, ou três, de gesso no apartamento da vizinha. Pintei apartamento dela para fazer agrado e troquei janelas, com vidro duplo — relatou Spohr, abordando a poluição sonora que causava incômodo aos vizinhos e que levou o Ministério Público a chamar a Kiss à assinatura de um termo de ajustamento de conduta (TAC) para conter o ruído.
As obras de alvenaria para fazer o isolamento acústico não funcionaram plenamente, disse Spohr, e o engenheiro Miguel Pedroso, que projetou as intervenções, manteve a postura de não recomendar a instalação de espuma.
Spohr seguiu seu relato contando que Samara estava muito ocupado e, por isso, teria recebido a sugestão de que ele próprio providenciasse a colocação de espuma no palco da Kiss. Inicialmente, usou retalhos velhos que tinha na boate guardados, os quais Pedroso havia mandado arrancar no passado. O réu disse não ter gostado do resultado estético e explicou ter comprado novo composto, que foi instalado por seus funcionários.
Spohr começou o depoimento respondendo a perguntas do juiz Orlando Faccini Neto, presidente do júri. O magistrado esclareceu que ele tinha direito ao silêncio e poderia recusar-se a atender qualquer indagação das partes. De antemão, a defesa de Spohr, conhecido como Kiko, afirmou que ele responderia somente a questionamentos do magistrado e de Jader Marques, seu advogado.
O magistrado questionou se Spohr, antes da tragédia, já tinha visto a Gurizada Fandangueira se apresentar com fogos de artifício. Antes do júri, em entrevistas, o réu havia dito que jamais havia presenciado pirotecnia do conjunto musical. Nos depoimentos de testemunhas, houve manifestações de que era corriqueiro o uso dos fogos pela banda.
No júri, respondeu:
O magistrado permaneceu no tema e Spohr afirmou, por fim, que “não autorizou” o uso de fogos pela Gurizada Fandangueira. Spohr também disse que não conversou com a banda para avisar que a casa havia passado por obras e que a espuma tinha sido colocada. Spohr avaliou que a banda acreditava que “nao pegava fogo”, em referência à pirotecnia.
Kiko, como é conhecido, contou que chegou a discutir com integrantes da banda no presídio, quando foram detidos em 2013, sobre o uso corriqueiro ou não de fogos, cada qual com sua versão. O vocalista Santos e o produtor de palco, Luciano Bonilha Leão, pelas suas defesas, dizem que era usado frequentemente e era de conhecimento geral entre o circuito noturno.
Kiko diz que lidava com um cliente embriagado que causava incômodo na casa naquela noite quando uma pessoa veio ao seu encontro relatando fogo no palco. Ele, que não estava vendo o show da Gurizada Fandangueira, disse ter dado ordem para que as pessoas saíssem e os funcionários, liberassem. Negou o bloqueio de portas para pagamento de comanda, o que foi discutido ao longo do julgamento. Um ex-barman que prestou depoimento disse que, no máximo, esse embarreiramento teria durado de cinco a sete segundos, até que os seguranças percebessem o que estava acontecendo, um sinistro.
Ele contou ter retirado do interior da boate uma de suas funcionárias chamada Kátia — ela prestou depoimento no primeiro dia do júri.
Ele seguiu descrevendo os momentos que sucederam, quando frequentadores da Kiss começaram a se voltar contra ele em meio à tragédia.
— A Vanessa (sobrevivente) veio de braços abertos. Eu pensei que ela vinha me dar um abraço. Mas ela veio me dar um tapa. Alguém disse: "Vamos sair daqui que vão começar a te culpar". Eu não sabia o que fazer. Eu disse que me levassem na delegacia. Eu disse: "Tá pegando fogo na boate" — contor Spohr, caindo em lágrimas.
No início do depoimento, a pedido do magistrado, ele relatou a trajetória da sua vida e disse que acabou entrando no ramo de casas noturnas em desdobramento da sua paixão pela música.