LUTO NA LITERATURA - 30/12/2021 13:31 (atualizado em 30/12/2021 13:42)

Escritora Lya Luft morre aos 83 anos

Nascida em Santa Cruz do Sul, autora, considerada uma das mais importantes da contemporaneidade, deixa uma obra com 31 títulos.
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Lya Luft tinha 83 anos e uma premiada carreira como escritora Félix Zucco / Agencia RBS

Considerada uma das mais importantes escritoras contemporâneas, a gaúcha Lya Luft morreu nesta quinta-feira (30), aos 83 anos, em casa, em Porto Alegre, durante o sono. Natural de Santa Cruz do Sul, a autora tinha sido diagnosticada com um melanoma — agressivo câncer de pele — havia sete meses. 

Quando a doença foi descoberta, já estava em estado metastático, comprometendo outras partes do organismo. A escritora passou por tratamento e chegou a ser internada no Hospital Moinhos de Vento, na Capital. Teve alta no dia 21 de dezembro. Desejava morrer em seu apartamento. 

Vizinha de porta da mãe, a filha Susana Luft, médica pediatra, recebeu a notícia do falecimento hoje pela manhã. 

— Uma pessoa iluminada, feliz, alegre, apaixonada pelos netos. Tudo o que pôde ensinar de amor e companheirismo, ela ensinou. Era uma "galinha choca", voltada para a família, muito calorosa e amorosa. Para nós, ela foi o ideal. Sempre foi muito amada. Para as letras, nem preciso dizer — emocionou-se Susana ao telefone. 

Colunista de GZH e dona de uma obra premiada que conta com 31 títulos, Lya Luft transitou por vários gêneros: romances, poemas, contos, crônicas, ensaios, infantil, livro de memórias. Sempre com uma imaginação fértil, de quem via gnomos na infância — e, de certo modo, não os deixou no passado. 

— Eu era uma criança de muita imaginação. Não tinha um amigo imaginário, mas uma família inteira, todos pequeninhos. Sentava no peitoril da janela no meu quarto e conversava com eles. Todos de verde, com gorrinhos. Provavelmente, tirei essa imagem de um livro. Mas, para mim, eram reais — contou em entrevista para GZH.

A sua criativa visão única do mundo lhe deu as munições necessárias para carregar os seus livros com personagens complexos, densos, melancólicos e divertidos. Daqueles que surgem apenas de mentes que não têm medo de viajar e, durante estes passeios pelo mundo da imaginação, colher saborosos frutos que formam seres humanos únicos. Mesmo que eles estejam restritos às páginas de um livro. 

Ela deixa o marido, o engenheiro e escritor Vicente de Britto Pereira, os filhos Susana e Eduardo, professor de Filosofia, além de sete netos e netas. Também foi mãe de André, engenheiro agrônomo, falecido em 2017. Lya será velada em uma cerimônia íntima, restrita a poucas pessoas, e, depois, cremada, ainda sem confirmação de data e horário. 

Os 83 anos de Lya  Luft

Lya Fett nasceu em Santa Cruz do Sul em 15 de setembro de 1938. Filha de descendentes germânicos, aprendeu o alemão e, aos 11 anos, já decorava poemas de Goethe e Schiller. Depois de cursar o então Ensino Primário e não ir tão bem no chamado Científico, a futura autora passou um ano em Porto Alegre, em 1955, fazendo a Escola Normal no Colégio Americano. 

Com saudade de casa, ela retornou para Santa Cruz para concluir a Escola Normal em um colégio católico. Só voltou à Capital para cursar faculdade, em 1959. E foi na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) que Lya concluiu o curso de Letras Anglo-germânicas em 1963. 

Ela ainda fez dois mestrados, um em Linguística, também na PUCRS, em 1975, e outro em Literatura Brasileira, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1978. Entre 1969 e 1982, atuou como professora de Linguística na Faculdade Porto-Alegrense (Fapa), mas deixou de lecionar quando a carreira de escritora deslanchou.  

Também foi na PUCRS, enquanto realizava a sua graduação, que Lya, ainda no primeiro semestre, conheceu o então Irmão Arnulfo, chamado Celso Pedro Luft, professor de Redação em Língua Portuguesa. O religioso, que era o linguista e gramático, foi mentor da então aluna 17 anos mais nova.  

Após se declararem um para o outro, enquanto a escritora cursava o seu último ano na instituição de ensino, ele abandonou a vida religiosa e pediu dispensa de seus votos. Eles se casaram em 1963. Juntos, tiveram três filhos: Suzana, em 1965; André, em 1966; e Eduardo, em 1969.  

André, que teve como padrinhos Erico Verissimo e sua esposa, Mafalda, amigos de Lya e Celso, morreu em 2017, aos 51 anos, enquanto surfava na Praia do Moçambique, em Florianópolis, Santa Catarina. O agrônomo sofreu uma parada cardiorrespiratória.   

O casamento de Lya com Celso durou até 1985, com uma separação amigável. No mesmo ano, ela começou um relacionamento com o psicanalista e escritor Hélio Pelegrino, que viria a morrer de um ataque cardíaco em 1988.

Quatro anos mais tarde, Lya retomou seu casamento com Celso Pedro Luft. Menos de um ano depois, ele sofreu um AVC e morreria no fim de 1995. Lya, até o fim de sua vida, foi companheira do engenheiro de transportes carioca Vicente de Britto Pereira, seu terceiro marido.  

Em 2019, aos 81 anos, Lya Luft teve de passar por uma angioplastia de urgência, após sofrer um infarto agudo do miocárdio. 

A escritora  Lya Luft

Lya começou a trabalhar com o mundo literário no começo dos anos 1960, como tradutora de obras em alemão e inglês — foi responsável pela versão em português de mais de cem livros de autores internacionais como Virginia Woolf, Rainer Maria Rilke, Hermann Hesse, Doris Lessing, Günter Grass, Botho Strauss e Thomas Mann.  

Nesta mesma época, começou a escrever poemas e, em 1964, os reuniu no livro Canções do Limiar. Oito anos depois, seu segundo livro com poesias, Fruta Doce, chegava às livrarias. Em 1978, lançou sua primeira coletânea de contos Matéria do Cotidiano. 

Mesmo já tendo três publicações, Lya só passou a se considerar escritora a partir de 1980, quando, com mais de 40 anos, escreveu o seu primeiro romance, As Parceiras, que teve repercussão nacional. Logo em seguida, vieram A Asa Esquerda do Anjo (1981), Reunião de Família (1982) e, com ritmo intenso de produção, O Quarto Fechado — lançado nos Estados Unidos sob o título The Island of the Dead — e Mulher no Palco, ambos de 1984.

Seguindo publicando obras que chamavam a atenção, como Exílio (1987), O Lado Fatal (1989) e A Sentinela (1994), em 1996, aos 58 anos, Lya decidiu dar um passo para dentro de um gênero que ainda não havia explorado: o ensaio. Assim, lançou o livro O Rio do Meio, obra considerada a melhor de ficção daquele ano, recebendo o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte.  

Também em 1996, foi eleita patrona da Feira do Livro de Porto Alegre. Em 2001, recebeu o Prêmio União Latina de Melhor Tradução Técnica e Científica, pela obra Lete: Arte e Crítica do Esquecimento, de Harald Weinrich.   

Apesar de uma carreira premiada, Lya Luft se tornou famosa entre o grande público após o lançamento de Perdas & Ganhos, em 2003. Considerada um best-seller, a obra chegou em sua 40ª edição, com mais de 600 mil exemplares vendidos, de acordo com a Editora Record. No livro, a escritora apresentou reflexões sobre temas do cotidiano, como relações familiares e amorosas, solidão, velhice e luto. Perdas & Ganhos ganhou edições em inglês, alemão, espanhol, francês e italiano, entre outros idiomas.  

Em 2013, recebeu o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo livro O Tigre na Sombra (2012), eleita a melhor obra de ficção do ano na categoria romance. Nos anos seguintes, a autora ainda lançou O Tempo é um Rio que Corre (2013), Paisagem Brasileira (2015) e A Casa Inventada (2017).  

Em 2020, chegou às livrarias As Coisas Humanas, lançado em homenagem ao filho André. Na obra, Lya se propôs a uma conversa “ao pé do ouvido” com o leitor, em que ela contempla o lado belo e o feio da existência, abordando infância e velhice, alegria e terrores, família, solidão e amor, trabalhos e luta, beleza, mistério e morte.  

Em uma coluna recente em GZH, Lya também falou sobre a morte: "Não quero brincar de morrer, como em criança fazia, me deitava na cama, no assoalho, tentando ficar assim por um pouco de tempo que fosse: não conseguia muita coisa. Achava morrer muito ameaçador, e se nunca mais eu conseguir acordar desse sono maluco? Melhor pegar um dos meus amados livros, e entrar naquelas histórias".

Fonte: Gaúcha ZH
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