A Apple foi condenada pela Justiça brasileira a pagar mais de R$ 100 milhões de multa por vender iPhones sem o carregador no país e a entregar o adaptador de tomada para todos os clientes que compraram o celular da empresa nos últimos 2 anos.
A empresa também foi obrigada a comercializar todos os seus aparelhos com carregador a partir do trânsito em julgado da sentença (quando não houver mais a possibilidade de recurso). A decisão do juiz Caramuru Afonso Francisco, da 18ª vara cível de São Paulo, é de quinta-feira (13).
O juiz afirma, em sua decisão, que a venda do celular sem o carregador é “nítida prática abusiva” e “evidente má-fé”, além de um “caso evidente de venda casada, ainda que às avessas” (veja mais abaixo). A Ação Civil Pública (ACP) que motivou a condenação foi proposta pela Associação Brasileira dos Mutuários, Consumidores e Contribuintes (ABMCC).A Apple está impedida de comercializar qualquer modelo de iPhone sem carregador no Brasil desde o começo de setembro, após determinação do Ministério da Justiça e Segurança Pública, mas está descumprindo a decisão desde então.
A pasta também multou a empresa em R$ 12,2 milhões e determinou a cassação do registro dos celulares da marca, a partir do iPhone 12, na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A empresa também já foi multada no mesmo valor pelo Procon-SP (mas não pagou a multa) e pelo Procon-RJ.
A empresa se refere ao início das vendas da última geração do seu celular nas lojas físicas (a pré-venda do aparelho começou no dia 7). Os celulares custam entre R$ 7,6 mil e R$ 15,5 mil, dependendo do modelo, e também são comercializados sem o adaptador de tomada.
O juiz destacou em sua decisão que a alternativa dada pela Apple para os consumidores é “ou comprar o adaptador, já que ele não é mais fornecido, ou simplesmente não mais utilizar o aparelho”. “Tem-se caso evidente de venda casada, ainda que às avessas, pois não se vende o produto mediante a aquisição do outro, mas na prática é o mesmo, pois somente se pode utilizar o produto se se adquirir o outro”.
“Tem-se, portanto, nítida prática abusiva, pois há o condicionamento da aquisição de um produto para que se possa ter o funcionamento de outro, o que não é permitido pelo artigo 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor”, afirma Francisco.O magistrado também criticou a defesa da Apple, de que parou de oferecer o carregador por uma questão ambiental. “Ao se invocar a defesa do meio ambiente para tal medida, demonstra a requerida evidente má-fé, a ensejar quase que uma propaganda enganosa — o que se revela também uma prática abusiva, visto que até incentiva e estimula o consumidor a concordar com a lesão que está a sofrer”.
Ao estipular a multa de R$ 100 milhões, o juiz determinou que o valor seja corrigido com juros de mora de 1% ao mês, capitalizados anualmente, a partir de 13 de outubro 2020, com atualização monetária pela tabela prática do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo.
Decisão não é imediata
Apesar da decisão favorável aos consumidores na primeira instância, os interessados precisam esperar o trânsito em julgado da ação para poder exigir da Apple o seu carregador, alerta Décio Sturba, presidente da ABMCC (associação responsável pela ACP). “Precisa esperar transitar em julgado, daí sim a pessoa poderá chegar lá [na loja] com o CPF ou CNPJ e requerer o carregador”.
Sturba destaca, no entanto, que a ABMCC entrou com a ação em agosto e a decisão de primeira instância “foi muito rápida”. “E acho que não vai demorar no Tribunal de Justiça [segunda instância]. Estamos pedindo urgência porque existem milhões de pessoas prejudicadas. Existe um respaldo muito grande no ordenamento jurídico contra essa venda casada”.O advogado conta que pensou pela primeira vez em entrar com a ação em 2020, quando comprou um iPhone para a sua esposa e ficou com o aparelho guardado na caixa por 15 dias, esperando o carregador ser entregue em sua casa, pois não encontrou o adaptador em nenhuma loja em Natal (RN).
Ele disse que pagou mais de R$ 400 peloo carregador, que outros amigos passaram pelo mesmo problema e que consumidores também fizeram reclamações à associação, por isso decidiu seguir adiante e processar a Apple. “É um negócio totalmente descabido e que fere a legislação brasileira, então entramos com a ação para beneficiar todos os consumidores”.