VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER - 02/03/2023 13:46

Brasil registra mais de 50 mil casos de violência contra mulher por dia em 2022

Segundo pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 18,6 milhões sofreram violência física, psicológica ou sexual
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Mais de 18,6 milhões de brasileira sofreram violência física, psicológica ou sexual em 2022. São 50.962 casos por dia. Os dados alarmantes são da 4ª edição da pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, produzida pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) e pelo Datafolha, divulgada nesta quinta-feira (2). 
De acordo com o levantamento, todas as formas de violência contra a mulher apresentaram crescimento acentuado no último ano, com destaque para violência física e ameaças graves com armas brancas e de fogo. Entre 9 a 13 de janeiro deste ano, os pesquisadores ouviram 2.017 entrevistadas de 16 anos ou mais em 126 municípios espalhados pelo país.
A pesquisa indica que 28,9% das mulheres relataram ter sido vítima de algum tipo de violência ou agressão nos últimos 12 meses, sendo o maior número registrado na série histórica do FBSP. Em relação ao último levantamento realizado, o crescimento foi de 4,5 pontos percentuais, o que revela um agravamento das violências sofridas pelas brasileiras.
A falta de investimento dos recursos orçamentários destinados ao enfrentamento da violência contra mulher pelo governo federal, as restrições ao funcionamento de serviços de acolhimento em razão da pandemia e o avanço dos movimentos ultraconservadores foram apontados como os principais fatores que levaram ao agravamento desse cenário. 
Segundo Juliana Martins, coordenadora institucional do FBSP e doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano, a questão da violência contra a mulher é complexa e multicausal, por isso é necessário considerar todos esses elementos.
Para Martins, embora os dados de feminicídios e homicídios dolosos de mulheres em 2022 ainda não estejam disponíveis, essas categorias também devem sofrer incremento.
Violência física e ameaças graves
As ofensas verbais (23,1%), a perseguição (13,5%) e as ameaças (12,4%) foram as formas de violência citadas com mais frequência pelas entrevistadas. Entretanto, é importante destacar o aumento acentuado da violência física e ameaças graves, que podem terminar em morte. 
A pesquisa realizada este ano indicou crescimento de 3,1% para 5,1% de ameaças perpetradas com faca ou arma de fogo em comparação com 2021. Nos últimos três anos, o país também bateu recordes de registros de armas, impulsionados pela flexibilização das leis para porte e aquisição durante o governo Bolsonaro.
Há dois anos, 2.199.388 mulheres haviam sido ameaçadas com facas e armas de fogo, enquanto no ano passado o número de vítimas chegou a 3.303.315, segundo a projeção de dados do FBSP.
"Se o agressor tem arma em casa, aumenta a possibilidade de uma tragédia acontecer. A facilitação ao acesso de armas e o aumento da circulação entre a população são fatores de risco para as mulheres", alerta Juliana Martins.
Jovens, negras e de baixa renda são as maiores vítimas
Analisando o perfil étnico racial das entrevistadas, as mulheres negras (65,5%) sofreram mais que o dobro de violência em comparação com as brancas (29%) durante o ano passado. 
"A mulher negra está mais vulnerável do ponto de vista socioeconômico e de moradia. É a parcela da população que tem mais dificuldade para acessar seus direitos e informações disponíveis, por isso está mais suscetível a violências mais graves", explica a coordenadora institucional do FBSP. 
A pesquisadora também reitera que este cenário de desigualdade não é novo, e que é preciso priorizar este recorte no momento da elaboração de políticas públicos para as vítimas.
Em relação a faixa etária, 30,3% das entrevistadas que relaram episódios de violência tinham entre 16 e 24 anos, 22,8% entre 25 e 34 anos, 20,6% entre 35 e 44 anos, 17,1% entre 45 e 59 anos, e 9,2% com 60 anos ou mais.
As mulheres mais jovens, de acordo com o levantamento, apresentam maiores níveis de vitimização, e são alvos maiores de ofensas verbais. Enquanto, as vítimas de 45 a 59 anos experimentaram os maiores níveis de violências como espancamento (8,2%), ameaça com faca ou arma de fogo (8,7%) e esfaqueamento ou tiro (4,5%).
Os dados também revelam que a medida em que aumenta a renda familiar mensal,
diminui a prevalência de violência mais graves. As agressões físicas (13,8%) e espancamentos (7,7%), por exemplo, são muito mais frequentes entre as entrevistadas com renda de até 2 salários mínimos.
No último ano, 31,2% das mulheres com renda de até 2 salários mínimos sofreram violência, 28,4% entre as que ganham entre 2 e 5 salários, 27,4% entre as que têm rendimento entre 5 e 10 salários, e 22,6% entre as que têm mais de 10 salários.
Divórcio
As mulheres separadas e divorciadas apresentaram níveis mais elevados de vitimização (41,3%) do que em comparação com casadas (17%), viúvas (24,6%) e solteiras (37,3%). Os dados demonstram como é difícil romper o ciclo de violência.
Nos últimos 12 meses, as vítimas de violência ou agressão sofreram, em média, quatro episódios nesse período. Enquanto, para as divorciadas, a média foi de 9 agressões.
Ao R7, Juliana Martins afirma que o divórcio é um momento em que a vítima fica mais vulnerável. "Ela rompe com papeis sociais que são esperados das mulheres, como a manutenção do casamento acima de qualquer coisa mesmo que vivendo em um relacionamento violento".
O crescimento dos movimentos ultraconservadores e a defesa "dos valores da família" nos últimos anos também são um empecilho nos processos de divórcio e no rompimento desses papeis sociais de gênero, de acordo com a psicóloga.
Em razão desses fatores, os principais autores da violência são os companheiros e ex-companheiros, que, somados, são responsáveis por 58,1% dos casos. Ao mesmo tempo que a residência é o principal local das agressões.
Denúncias
Quase metade das vítimas relataram não fazer nada após sofrer um episódio grave de violência. Apenas 14% das entrevistadas denunciaram o crime em uma Delegacia da Mulher e 4,8% ligaram para a Polícia Militar. 
Para a pesquisadora, o maior obstáculo para as mulheres é reconhecer a situação de violência e pedir ajuda. A vítima é frequentemente responsabilizada pelas agressões praticadas pelo próprio companheiro e julgada por familiares e amigos. "É uma relação permeada pela culpa e pelo medo, por isso é difícil reconhecer a necessidade de ajuda", afirma.
Como muitas mulheres também são desencorajadas a registrar denúncias ou desacreditam no trabalho da polícia e do sistema judiciário, há muitas subnotificações de ocorrências de violência contra a mulher no país. Por isso, os números podem ser muito maiores.
Políticas públicas
A punição de forma mais severa dos agressores (76,5%) foi considerada a política pública mais importante pelas entrevistadas, seguido de ter alguém para conversar, como um psicólogo ou outro especialista em saúde mental (72,4%) e disponibilizar aplicativos de celular que permitam as vítimas de violência doméstica pedirem ajuda apertando apenas um botão no celular (70,8%).
Esses indicadores, de acordo com Juliana Martins, são reflexo de uma sociedade punitivista que anseia por mais prisões e penas mais duras. "Só prender e punir de forma severa não vai resolver o problema que é cultural. É preciso trabalhar a base dos problemas como os papeis desiguais entre homens e mulheres".
"Precisamos olhar para essa situação complexa com diversas lentes, e o tronco principal é a integração de políticas públicas de saúde, educação, assistência social", sustenta a psicóloga. Também é necessário oferecer escuta e acolhimento a vítima sem julgá-la ou revitimizá-la.
Como denunciar?
- Ligue 190 (Polícia Militar)
- Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher)
- Acesse o aplicativo "Direitos Humanos Brasil"
- Registre boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher 
Fonte: Correio do Povo
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