Todos os anos, dezenas de milhares de médicos se reúnem em Chicago, nos Estados Unidos, para conhecer as últimas novidades no diagnóstico e no tratamento do câncer.
É nesta cidade que acontece o Encontro Anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco, na sigla em inglês) — e, depois de três anos de painéis virtuais ou híbridos por causa da pandemia de covid-19, as sessões voltaram a ser presenciais em 2023.
A seguir, a BBC News Brasil detalha os quatro principais estudos divulgados durante o evento. Eles trazem boas novas para o combate dos tumores de pulmão, cérebro, reto e do linfoma de Hodgkin — um tipo de câncer que afeta células do sistema de defesa.
Segundo médicos que estiveram na Asco 2023, essas novas pesquisas têm o potencial de mudar a forma como pacientes acometidos por essas enfermidades são tratados.
Câncer de pulmão: terapia-alvo para ampliar sobrevivência
Mas, na Asco 2023, pesquisadores do Yale Cancer Center, nos EUA, conseguiram demonstrar que esse fármaco é capaz de ampliar a sobrevida de pacientes que passaram por cirurgia de retirada do tumor.
Os autores do trabalho acreditam que os dados reforçam o uso do osimertinibe como tratamento padrão para esses casos.
Quando esse tumor é diagnosticado em estágios iniciais, geralmente os médicos fazem uma cirurgia para remover o tecido pulmonar afetado.
Esse é um dos principais problemas após a operação, pois essas unidades tumorais microscópicas podem crescer com o passar do tempo e reativar a doença.
Antigamente, o principal método utilizado para fazer essa espécie de pente fino era a quimioterapia. Mais recentemente, surgiram as terapias-alvo — como o osimertinibe — que funcionam como mísseis teleguiados e atacam apenas moléculas específicas do tumor.
O uso dessas terapias mais modernas, porém, exige um exame que analisa o perfil genético do câncer e das mutações que ocorrem ali.
Os resultados sobre esta droga apresentados na Asco 2023 e publicados em revistas científicas mostraram que 85% dos pacientes que se encaixavam nesses critérios e tomaram o osimertinibe sobreviveram por até cinco anos.
“Isso reforça a noção de que este medicamento evita que aquelas células cancerosas microscópicas voltem a crescer, ou talvez até consiga eliminá-las por completo, o que amplia o tempo de sobrevida dos pacientes”, analisa William Jr.
O médico observa que os fármacos mais modernos da oncologia — como as terapias-alvo e as imunoterapias, sobre as quais falaremos mais adiante — começam aos poucos a ser testados (e aprovados) para os estágios iniciais e menos agressivos da doença. Antes, eles ficavam restritos às etapas avançadas e complicadas da enfermidade.
Ele é custeado pelos planos de saúde apenas para os casos de câncer de pulmão mais avançados. Na rede pública, a medicação ainda não está disponível.
Glioma: uma nova estratégia que posterga a químio
O cérebro não é feito apenas de neurônios: o órgão responsável pela memória e pelo raciocínio conta com as células da glia, que são primordiais para o funcionamento e a proteção do sistema nervoso central.
E há um tipo dele que tem características bem particulares. O glioma de baixo grau costuma ser lento e menos agressivo — geralmente, o paciente vive anos ou décadas após o diagnóstico.
“Mesmo assim, ele tem um impacto grande pelo fato de acometer pessoas mais jovens, pois geralmente aparece por volta dos 20 e poucos anos”, estima a médica Clarissa Baldotto, do Comitê de Tumores do Sistema Nervoso Central da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).
Mas isso mudou na Asco 2023 com a apresentação de um estudo que avaliou o vorasidenibe, do laboratório Servier, que também é uma terapia-alvo.
Além disso, o novo tratamento ainda traz um segundo benefício. Ele posterga a necessidade de recorrer a outros recursos mais tóxicos (como a químio e a radioterapia) para controlar a proliferação das células cancerosas no cérebro.
Baldotto classifica os resultados do estudo como “impressionantes”.
Assim como ocorre no caso anterior, do câncer de pulmão de células não pequenas, o paciente com glioma precisa passar por um teste para avaliar quais mutações o tumor apresenta.
Por ora, esse remédio ainda não está disponível no Brasil para indivíduos acometidos pelo glioma de baixo grau.
Câncer retal: há mais de um caminho para a cura
Dentro do universo do câncer colorretal (que afeta o trecho final do sistema digestivo), os tumores que se originam no reto representam cerca de um terço de todos os casos.
A última grande novidade dessa área foi divulgada durante a Asco 2023.
No estudo, uma parte dos voluntários com esse tumor localmente avançado, mas sem metástase (quando as células doentes se espalharam para outras partes do corpo), passou por sessões de químio e radioterapia. Outra parcela que reunia as mesmas características foi submetida apenas à químio.
Segundo os autores, a possibilidade de oferecer mais de um caminho terapêutico empodera os pacientes, que podem ajudar na escolha da opção mais confortável e conveniente para eles.
“O câncer de reto tem um tratamento muito complexo e conseguimos cada vez mais ter uma abordagem individualizada de acordo com o caso”, diz ele.
O oncologista acredita que, entre os principais destaques da Asco 2023, essa pesquisa é aquela que produz o impacto mais imediato na saúde pública brasileira.
E, como alguns indivíduos com tumor retal não precisarão mais da radioterapia, isso pode representar até uma economia para o Sistema Único de Saúde (SUS) e um alívio nas filas para utilizar esse recurso.
Linfoma de Hodgkin: um tratamento padronizado para todas as idades
Esse tipo de câncer afeta algumas células do sistema de defesa e acomete principalmente pessoas jovens, na segunda ou terceira década de vida.
Nos estágios mais avançados da doença, o tratamento-padrão envolvia sessões de quimioterapia e um remédio chamado brentuximabe vedotina, da farmacêutica Takeda.
Eles testaram se a brentuximabe vedotina pode ser trocada pelo nivolumabe (da Bristol Myers Squibb), um tipo de imunoterapia, classe farmacológica que estimula o próprio sistema imunológico do paciente a reconhecer e atacar as células cancerosas.
Outra vantagem do nivolumabe foi a maior tolerância dos pacientes aos efeitos colaterais.
O hematologista Guilherme Perini, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, classifica o estudo como “histórico” e chama a atenção para outro aspecto: o trabalho incluiu voluntários mais jovens, a partir de 12 anos de idade.
“A partir de agora, a tendência é que os protocolos terapêuticos sejam harmonizados”, complementa.