A indústria brasileira vai apresentar ao governo federal, nas próximas semanas, um plano destinado a criar uma política pública de estímulo à troca de eletrodomésticos antigos e com menos eficiência energética por aparelhos mais modernos e com menor consumo de energia ou de água.
A intenção do setor eletroeletrônico nacional é aproveitar a intenção já manifestada pelo Planalto de estimular a compra da chamada "linha branca", como geladeiras e máquinas de lavar, para implantar no país um programa permanente e mais abrangente — a exemplo de iniciativas semelhantes vistas em países como México ou Itália. Na Argentina, o Banco Mundial aprovou recentemente um empréstimo de US$ 400 milhões para ações que incluem a substituição de equipamentos ineficientes.
Na quarta-feira da semana passada (12), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse durante uma entrevista que gostaria de retomar um programa destinado a baratear utensílios domésticos. Lula citou especificamente a linha branca, em uma iniciativa semelhante à adotada em sua primeira gestão, em 2009, quando um corte de impostos federais reduziu temporariamente os preços desses produtos. Na mesma conversa, porém, o presidente também citou outros aparelhos que poderiam ser abrangidos pela nova política federal, como televisões.
A indústria eletroeletrônica nacional já trabalha em uma proposta mais abrangente, com conhecimento do governo federal, para criar um programa permanente que favoreça um consumo mais eficiente de energia e água por meio do incentivo à troca de equipamentos velhos por outros mais modernos e eficientes.— Nos próximos 40 dias, pretendemos entregar essa proposta. Já levamos isso ao conhecimento dos ministérios da Indústria, das Cidades e Casa Civil, que aguardam o envio do projeto. A base instalada de eletrodomésticos que temos hoje no país é de 10, 12 anos atrás (em média), enquanto hoje já produzimos equipamentos muito mais eficientes tanto em relação ao consumo de energia quanto ao uso de água — afirma o presidente executivo da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), Jorge Nascimento.
A associação chegou a discutir previamente com o governo a possibilidade de acoplar esse plano ao relançamento do programa Minha Casa, Minha Vida. Assim, os imóveis seriam entregues já com aparelhos básicos com tecnologia atualizada, a exemplo de geladeiras e fogões. A proposta acabou não avançando a tempo, embora a combinação entre as iniciativas ainda esteja no horizonte das conversas entre a indústria e o Planalto.
Segundo Nascimento, há diferentes meios pelos quais a proposta, se for acatada, poderia facilitar a renovação dos eletrodomésticos no Brasil. Um novo corte de impostos é uma das possibilidades, mas também poderia se oferecer uma linha de crédito para aquisição de aparelhos com alta eficiência energética, desconto no preço mediante a devolução do equipamento antigo ou, como existe na Itália, até um abatimento no Imposto de Renda para quem der preferência para equipamentos de baixo consumo.
— A intenção é que seja um programa de Estado, permanente, com foco em sustentabilidade, em vez de uma política temporária de governo. Produtos com menos consumo não apenas são mais sustentáveis como acabam por reduzir as despesas com contas de energia e água posteriormente — afirma o presidente da Eletros.O governo federal aguarda o envio do projeto da indústria para seguir com as tratativas. Chegou a ser anunciado que Lula trataria do tema na semana passada em uma reunião com o ministro da Fazenda Fernando Haddad, mas isso acabou não ocorrendo.
A iniciativa agrada ao presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL POA), Irio Piva.— Não temos nenhuma crítica a iniciativas desse tipo, como reduzir carga tributária. Ainda melhor, claro, se for uma iniciativa de longo prazo. Isso estimula o consumo, gera empregos e, em última instância, o próprio governo arrecada mais — avalia Piva.
Setor ensaia recuperação de vendas no país
O setor de eletrodomésticos apresenta números positivos no Brasil e no Rio Grande do Sul no primeiro semestre deste ano, após uma sequência de períodos ruins. Mas essa recuperação, segundo avaliação da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), ainda deve ser vista com cautela.
Um levantamento mostra que foram vendidas 44 milhões de unidades nos primeiros seis meses deste ano, 13% acima dos 39 milhões registrados no ano passado. Mas, conforme um comunicado da entidade, "a principal incerteza por parte dos fabricantes é se este ciclo positivo irá se manter no segundo semestre, ou se os resultados refletem estritamente um forte movimento de reposição de estoque pelo varejo, visto que o segundo semestre de 2022 trouxe volumes muito baixos".
Os dados referentes especificamente à linha branca, que inclui aparelhos como geladeiras e máquinas de lavar, são mais modestos. O relatório indica crescimento de 4% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. A chamada linha marrom, que inclui televisores, deu o maior salto, com índice de 19%. Logo em seguida, vêm os equipamentos de ar-condicionado e split, com avanço de 16%, e a linha portátil (air fryers, secadores de cabelo, liquidificadores etc.), com 13%.
O crescimento contínuo verificado desde janeiro contrasta com um período anterior de 18 meses de quedas consecutivas. Agora, a entidade vê a manutenção das taxas de juros em patamar elevado (13,75% ao ano) como um dos principais obstáculos à confirmação do desempenho mais recente. O cenário atual prejudica principalmente a aquisição dos eletrodomésticos de grande porte, como geladeiras, fogões e máquinas de lavar roupa, pelo fato de serem negociados principalmente por meio de financiamentos.
O cenário no Rio Grande do Sul é semelhante ao panorama nacional. O presidente da CDL POA, Irio Piva, afirma que a linha de eletrodomésticos em geral faturou 12,3% mais no Estado entre janeiro e maio do que no mesmo período do ano passado, de acordo com informações compiladas da base de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nos últimos quatro anos, esse foi o melhor desempenho da área no comércio gaúcho.Exemplos de outros países
ArgentinaNo mês passado, o Banco Mundial aprovou um financiamento de US$ 400 milhões para projetos de eficiência energética. Conforme comunicado oficial do banco, o recurso "ajudará a que famílias vulneráveis possam trocar eletrodomésticos ineficientes e antigos, como geladeiras e freezers, que são os que representam a maior parte do consumo de eletricidade". Também serão apoiadas associações de bairro e centros comunitários para comprar e instalar equipamentos de iluminação de menor nível de consumo.
Itália
O governo do país europeu oferece um bônus que permite abater valores do imposto de renda (variáveis a cada ano) para aquisição de móveis e eletrodomésticos classificados como mais eficientes do ponto de vista energético em projetos de renovação de domicílios. O programa inclui equipamentos como fogão, geladeira, máquina de lavar, estufas, micro-ondas, entre outros.
Pouco mais de uma década atrás, o país lançou programas destinados a trocar aparelhos pouco eficientes por outros com menor consumo de energia. Um deles substituiu, sem custo, lâmpadas incandescentes por fluorescentes para 8 milhões de famílias. Outra iniciativa governamental, chamada Cambia tu Viejo por un Nuevo (Ou Troca teu Velho por um Novo), criou linhas de crédito para famílias de baixa renda substituírem aparelhos antigos e ineficientes por outros mais modernos. Como resultado, mais de 1,8 milhão de aparelhos foram substituídos.