A primeira vacina terapêutica para um câncer está um pouco mais perto de se tornar realidade. As farmacêuticas Moderna e MSD anunciaram, nesta quarta-feira, o início da terceira e última etapa dos testes clínicos com o imunizante desenvolvido para o tratamento de pacientes com melanoma, tipo de câncer de pele mais letal.
A dose já mostrou um potencial significativo durante a fase dois dos estudos, quando, em conjunto com o anticorpo monoclonal Keytruda – considerado hoje um dos tratamentos mais eficazes para o melanoma –, proporcionou uma redução de 44% nas mortes e recorrências do tumor em comparação com aqueles que somente receberam o medicamento.
Os dados divulgados até então já foram recebidos de uma forma animadora pelos cientistas e por agências reguladoras. Em abril, a Food and Drug Administration (FDA), espécie de Anvisa dos Estados Unidos, concedeu à vacina o status de “terapia inovadora”. Na prática, o título reconhece o potencial da tecnologia e dá prioridade para a sua avaliação após o fim dos testes e a solicitação de uso pelas farmacêuticas.
Uma determinação semelhante foi concedida pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA) depois de analisar os resultados preliminares. Os laboratórios também já anunciaram que pretendem expandir o desenvolvimento para imunizantes direcionados a outros tumores, como o de pulmão.
Embora seja comum pensar na prevenção de doenças infecciosas quando se fala em vacina, o termo pode ser utilizado também para a nova classe em desenvolvimento para combater tumores – e outras doenças. Isso porque são injeções que atuam também por meio da indução de uma resposta do sistema imunológico para produzir células de defesa.
A dose em estudos para o melanoma foi desenvolvida pela Moderna, laboratório que chamou a atenção recentemente ao ter sido um dos primeiros a criarem um imunizante para o novo coronavírus. Ele é especializado em uma tecnologia inovadora chamada RNA mensageiro (RNAm), que foi utilizada tanto para a injeção contra a Covid-19, como para o câncer.
O RNAm é alvo de estudos há anos, mas saiu de fato do papel com as vacinas da Pfizer e da Moderna na pandemia, que comprovaram a alta eficácia e segurança da plataforma vacinal. Para estimular as defesas, ele atua como um código de instruções que ensina as próprias células do corpo a produzirem determinada proteína.
No caso da dose contra o melanoma, como o câncer é diferente de pessoa para pessoa, ela é chamada de vacina personalizada. Os cientistas coletam o material genético específico do tumor de determinado paciente, isolam as proteínas e depois criam o imunizante. Com isso, a aplicação individual ensina o sistema imune a reconhecer e destruir as células cancerígenas.
No estudo de fase 2, com 157 participantes, a terapia durou cerca de um ano. Foram aplicadas nove doses da vacina, junto a 18 ciclos de 200 mg do medicamento Keytruda a cada três semanas.
— É uma nova estratégia para usar a imunidade do paciente no combate ao câncer. A expectativa é grande, visto que a ciência trouxe grandes ganhos no tratamento com a imunoterapia para diversos tipos de tumores nos últimos 10 anos. Os resultados anunciados são ainda preliminares, mas mostram que essa combinação de ferramentas pode ser possível, o medicamento inibidor de checkpoint junto com a vacina — disse a oncologista Angélica Nogueira Rodrigues, diretora da SBOC e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em entrevista ao GLOBO em dezembro.