O Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, equivalente a Câmara dos Deputados, tornou público um relatório contendo decisões de processos sigilosos do Supremo Tribunal Federal (STF) relacionados ao "X" (antigo Twitter) e outras plataformas de redes sociais. O documento divulgado na noite de quarta-feira (17), intitulado "O ataque à liberdade de expressão no exterior e o silêncio do governo Biden: o caso do Brasil"destaca uma suposta "censura forçada" do governo brasileiro contra o "X".
O documento inclui 88 decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinando a retirada de perfis das plataformas. Muitas delas foram tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes em processos que tramitam sob sigilo no STF. A reportagem do Estadão procurou o STF para comentários, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
???? BOMBSHELL: Brazilian Government Forced Censorship on X, @elonmusk
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As decisões incluem ordens de Moraes para a suspensão de contas no Twitter, Instagram e Facebook, com cerca de 150 contas sendo alvo de suspensão ou remoção da plataforma. Um dos despachos notáveis foi a suspensão de uma conta confundida com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) durante os ataques antidemocráticos do 8 de Janeiro de 2023, atendendo a um pedido do Conselho Federal da OAB.
Ainda segundo a Folha de São Paulo, a grande parte decisões de Moraes reproduzidas no documento manda a plataforma derrubar contas na rede social sem estar acompanhada de uma fundamentação. Em poucos casos aparece uma ordem do ministro do STF com embasamento jurídico para o bloqueio de perfis.
Segundo um comunicado de imprensa divulgado pelo grupo, formado por integrantes na sua maioria do Partido Republicano, que faz oposição ao governo Biden, o relatório inclui "cópias de 28 decisões em inglês e português registradas por escrito pelo ministro Alexandre de Moraes e destinadas à X Corp"; outras 23 decisões de Moraes "para as quais a X Corp não possui uma tradução em inglês" e ainda 37 decisões do TSE. Alexandre de Moraes é o presidente do TSE desde agosto de 2022.
Segundo os deputados do Partido Republicano, o relatório "expõe a campanha de censura do Brasil e apresenta um estudo de caso surpreendente de como um governo pode justificar a censura em nome do combate ao chamado discurso de ódio e à subversão da ordem'".
Ainda de acordo com os representantes republicanos, o "governo brasileiro estaria "tentando forçar o X e outras empresas de redes sociais a censurar mais de 300 contas, incluindo as de Jair Messias Bolsonaro, a do senador Marcos do Val (Podemos-ES), e Paulo Figueiredo, jornalista brasileiro". No entanto, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) continua com seus perfis ativos nas principais redes sociais.
Alguns dos perfis derrubados por ordem de Alexandre de Moraes já são conhecidos. É o caso de perfis ligados ao empresário Luciano Hang, das Lojas Havan; dos blogueiros Allan dos Santos e Oswaldo Eustáquio; do ex-deputado federal cassado Daniel Silveira; e do youtuber Monark; além do ex-deputado federal Roberto Jefferson.
Nos casos acima, a acusação é a de que eles teriam divulgado versões falsas sobre fraudes nas urnas, promovido ataques contra o STF e defendido até mesmo a edição de um novo AI-5, instrumento de supressão de garantias individuais durante a ditadura militar - caso de Silveira.
Outros, como os jornalistas Bernardo Kuster e Paulo Figueiredo, foram acusados de incentivar os apoiadores de Jair Bolsonaro a "romperem a normalidade democrática". No dia 8 de janeiro de 2023, centenas de manifestantes depredaram as sedes do Congresso, do STF e o Palácio do Planalto, em Brasília.
Jornalistas citados por Elon Musk para atacar Moraes negam interferência do Judiciário no conteúdo da rede socialJornalistas citados por Elon Musk para atacar Moraes negam interferência do Judiciário no conteúdo da rede social
Vários dos perfis derrubados pelas decisões de Alexandre de Moraes não parecem pertencer a figuras públicas. Numa das decisões, do dia 14 de dezembro de 2023, Moraes determina a remoção dos perfis @NsmNews e @canedocando no Twitter.
A decisão foi tomada no âmbito da Petição 9935, que tramita em sigilo no STF. "Senhor diretor, informo que uma decisão foi tomada no âmbito do processo confidencial acima, para cumprimento imediato, nos seguintes termos", diz um trecho.
O mesmo texto se repete em dezenas de decisões, com prazo de duas horas para remoção dos perfis e multa diária de R$ 100 mil. O texto padronizado também pede o envio dos dados de registro das contas para o STF, bem como a preservação do conteúdo postado pelos usuários - ou seja, que ele seja conservado para consulta posterior.
"Tendo em conta a natureza confidencial destes processos, devem ser tomadas as medidas necessárias para mantê-los (em sigilo). Sem mais delongas, aproveito a oportunidade para renovar minhas expressões de elevada estima e consideração", diz o trecho final das decisões.
As decisões de Alexandre de Moraes pela desativação das contas foram tomadas ao longo dos últimos quatro anos no âmbito das investigações sobre milícias digitais e no chamado inquérito das fake news, que investiga ações orquestradas nas redes para disseminar informações falsas e discurso de ódio, com o objetivo de minar as instituições e a democracia.
O relatório do comitê enfatizou a necessidade de ação do Congresso dos Estados Unidos para proteger a liberdade de expressão, alertando que os ataques à liberdade de expressão no exterior são um aviso para a América.
Entenda o conflito entre Musk e Moraes
O embate entre o bilionário sul-africano e o ministro do STF acontece desde o dia 6 de abril quando Musk utilizou de seu perfil na rede social X para acusar Moraes de infringir a Constituição brasileira e promover censura em decisões judiciais. No dia seguinte, o empresário voltou a atacar Moraes, afirmando que o ministro deveria renunciar à sua cadeira na Corte ou sofrer um impeachment.
Em resposta, o ministro incluiu Musk como investigado no inquérito das milícias digitais por "dolosa instrumentalização" do X. No dia 8 de abril, o empresário repetiu o ato, chamando Moraes de "ditador" e afirmando que ele teria o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) "na coleira".
No dia 15 de abril, Musk voltou a atacar o magistrado, afirmando que ele exige que a sua rede social viole as leis brasileiras. Em uma nota, o X alegou ter sido forçado, por decisões judiciais, a bloquear determinadas contas populares e que não sabe os motivos pelos quais as ordens de bloqueio foram emitidas.