A violência contra crianças ainda é um grave problema de saúde pública no Brasil e é praticada, principalmente, dentro da própria casa delas por pais, mães, padrastos ou madrastas. É o que mostra o estudo “Saúde Brasil 2023 - Análise da situação de saúde com enfoque nas crianças brasileiras”, publicado pelo Ministério da Saúde. Segundo dados do relatório, 84% dos casos atendidos na APS (Atenção Primária à Saúde) foram no local de residência das crianças. O índice é parecido quando observadas as ocorrências registradas na Atenção Hospitalar, Urgência e Emergência: 72%.
O estudo foi realizado com os dados das notificações de violência interpessoal contra crianças, com idade entre 0 e 9 anos, registrados no Sinan (Sistema de Informação de Agravos e Notificação), no Brasil, de 2015 a 2021. Em todo o período, foram 261.341 casos notificados, sendo 204.477 (78,7%) em serviços de urgência e emergência e 56.864 (21,8%) nos serviços da Atenção Primária à Saúde.
A principal violência foi a negligência, que representou 39,5% e 55% das notificações da Atenção Primária e da Atenção Hospitalar, respectivamente. O documento foi publicado em 11 de junho deste ano e tem outros capítulos dedicados a diferentes aspectos da saúde das crianças brasileiras. No texto, os pesquisadores concluem que é preciso melhorar os instrumentos de rastreamento e notificação da violência contra crianças nas unidades de atenção básica, “a fim de evitar que casos com maior gravidade ocorram”.
O documento também destaca outros pontos de atenção: como a possível subnotificação dos casos durante o período de pandemia; especialmente na atenção básica; a prevalência de agressores próximos à criança — sendo pais, madrasta ou padrasto responsáveis por 62,2% dos casos notificados; e o perfil das vítimas — sexo feminino (53,4%), com idade entre 1 e 4 anos (46,1%), da raça negra (56,1%), que não tinha deficiência ou transtorno (97,1%) e que residiam na zona urbana (93,0%).
Ouvida pelo R7, a advogada Mariana Zan, do Instituto Alana, explica que as instituições têm papel fundamental no combate aos diversos tipos de violência, incluindo contra crianças e adolescentes. “É importante trazer que a lei 13431, de 2017, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Constituição Federal e a Resolução 113 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Conanda, estabelece o que a gente chama de sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes, reconhecendo que um único serviço ou uma única instituição é não dá conta por si, de lidar com o fenômeno tão complexo como as violências contra as crianças e adolescentes”, explica.
Neste ano, uma das principais normas a tratar especificamente do tema em relação à menores de idade completa dez anos. A Lei Menino Bernardo, também conhecida como Lei da Palmada, prevê que as crianças brasileiras “têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto”. Aprovada em 2014, ela estabelece desde o encaminhamento da família a programas de proteção, orientação e tratamento psicológico até advertências aos responsáveis.
Aprovada em 2022, a Lei Henry Borel complementa o quadro normativo com medidas de proteção mais incisivas em relação às crianças vítimas ou testemunhas de violência. A norma espelha as medidas previstas para mulheres pela Lei Maria da Penha, com adoção de medidas protetivas, procedimentos policiais e legais e de assistência médica e social no caso de risco às vítimas.