Em 2021, o número de cesáreas superou o número de partos normais que foram feitos em Santa Catarina, conforme um levantamento feito pela Secretaria de Saúde de Santa Catarina (SES), com dados do DataSUS. Naquele ano, foram 473.261 cesarianas contra os 472.913 partos normais. Desde 2014, no entanto, as cesáreas têm um crescimento contínuo no Estado, com exceção de 2020, quando tiveram uma queda — foram 423.988 em oposição às 434.278 feitas em 2019. No entanto, no ano seguinte, em 2021, o cenário muda e o “boom” das cesáreas volta a aparecer em Santa Catarina.
A tendência que cresce no Estado vai contra a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que diz que somente 15% dos partos realizados devam ser cesarianas.
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Para o ginecologista obstetra Hugo Alejandro Arce Iskenderian, que atua em Florianópolis, a cesariana deve ser encarada como uma intervenção em casos de risco para a gestante ou para o bebê, e não deve substituir o parto normal.
— Não podemos deixar que o parto normal vire a cesariana, ou seja, que seja o mais comum. Por outro lado, a gente tem que brigar um pouco contra os “tabus” e não achar que toda intervenção é um excesso ou é desnecessária. O que a gente tem que lutar é pela intervenção realizada numa forma adequada — pontua o médico.
No país, cesáreas superam os partos normais
No Brasil, a taxa de partos cesáreos é uma das mais altas do mundo, superando os 55%, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS). Isso significa que o país também vai contra o recomendado pela OMS.
O número de cesáreas no Brasil é superior ao de partos normais desde 2014, conforme um levantamento feito pelo Ministério da Saúde com base em dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc).
A decisão de fazer a cesariana ou o parto normal, no entanto, não depende somente da recomendação médica, de acordo com Hugo.
— Para tomar esta decisão em relação a um procedimento, a gente tem que entender também que existe um grande envolvimento da autonomia da paciente. Hoje em dia, a gente sabe que temos fatores culturais, as preferências da família ou até os medos que a família transferiu para essa paciente, que podem ser dor, sangramento ou lacerações — complementa o profissional.
A situação que o médico traz é parecida com a de Vanessa Maria da Costa, de 34 anos. A microempresária é catarinense e teve o filho em 2021, em Florianópolis. Benício, de três anos, foi fruto de parto normal, mas, agora, Vanessa diz que optaria pela cesárea em uma nova gestação, devido às complicações que teve no primeiro parto.
— Não foi nada de “normal”. Tive laceração e tive que levar mais de dez pontos na vagina. Depois, os pontos caíram antes do tempo de cicatrização, abrindo novamente a laceração. Tive que voltar para refazer tudo novamente, com anestesia geral — relata.
A empresária conta que, apesar de muitas amigas do ciclo dela terem optado pela cesárea, ela achava que o bebê tinha que vir “na hora que queria”. Agora, quando vê uma amiga grávida optando pelo parto normal, ela se sente receosa devido à experiência não positiva que teve.
Para o médico obstetra, os riscos existem nas duas maneiras de dar à luz.
— A partir do momento que a paciente engravida, ela já se encontra num risco só pelo fato de estar grávida. E esse risco só vai aumentando até o nascimento — explica.
Riscos para o bebê aumentam na cesárea
Embora os riscos para a mãe durante a cesárea sejam semelhantes aos do parto normal — com exceção das gestações de alto risco —, para o bebê, isso muda. De acordo com a pediatra Gabriela Peceguini Mathias Arce, a cesárea traz maior risco para o desenvolvimento de transtornos de neurodesenvolvimento ou transtornos psiquiátricos na criança. Isso inclui, por exemplo, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
— Além disso, a cesárea também está associada à redução no sucesso da amamentação e pode influenciar o desenvolvimento do sistema imunológico do bebê, aumentando a probabilidade de alergias e atopia — continua a médica.A atopia é uma predisposição genética que faz com que o organismo reaja de forma exagerada a certos alérgenos e irritantes. Além disso, segundo a médica, o risco para a síndrome do desconforto respiratório neonatal também aumenta, bem como as infecções respiratórias, doenças gastrointestinais, asma e obesidade em comparação aos bebês nascidos por parto vaginal.
O parto normal é mais benéfico ao bebê por ser mais fisiológico, de acordo com a pediatra.
— As contrações uterinas durante o trabalho de parto e o mecanismo do parto normal ajudam a preparar os pulmões do bebê para uma melhor respiração extrauterina — continua Gabriela.
Isso, segundo ela, gera uma melhor adaptação respiratória, com menor risco de prematuridade, maiores índices de Apgar (a “nota” que o bebê recebe ao nascer), que mostra um melhor estado geral e vitalidade.
— O contato com a microbiota materna durante o parto normal também proporciona uma microbiota mais diversificada e benéfica para o bebê — finaliza.
A microbiota é, basicamente, o conjunto de todos os microrganismos (bactérias, fungos, vírus etc) que vivem naturalmente dentro do corpo. A médica também diz que, sem sombra de dúvidas, recomendaria o parto normal, deixando a cesárea restrita apenas aos casos com indicação obstétrica.
A pediatra Anelise Steglich Souto, que também atua na capital catarinense, concorda.
— Existe uma ideia de que o parto cesáreo é mais seguro para a mãe, é mais seguro para o bebê e é mais prático, com a possibilidade da família decidir inclusive o horário, onde, e o momento que o neném irá nascer. Mas isso está por trás de uma grande desinformação quanto às desvantagens da cesariana, ou melhor, até das indicações de cesariana, porque é um procedimento cirúrgico e tem suas indicações — afirma a médica.
O que diz a SES
Quanto à crescente de cesáreas no Estado, a SES informou ao NSC Total que reconhece que o parto normal é mais benéfico, e que tem trabalhado para promovê-lo, reforçando a importância de seguir as recomendações internacionais.“Os serviços de saúde, em todos os níveis de atenção, têm trabalhado para conscientizar a população e promover políticas que incentivem o parto normal, reforçando a importância de se seguir as recomendações internacionais. Contudo, a mudança desse cenário requer uma transformação gradual nas práticas obstétricas e no entendimento coletivo sobre os benefícios do parto natural“, diz o comunicado.