SEGURANÇA - 29/09/2020 21:38

Como será o programa de apoio a vítimas de estupro em SC

Protocolos ainda estão sendo construídos pela polícia e governo do Estado; atendimento será concentrado na unidade de saúde com equipe multidisciplinar
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Programa de atendimento será realizado por profissionais peritos capacitados tecnicamente do quadro do funcionalismo público – Foto: Divulgação/Polícia Civil

Depressão, distúrbios alimentares, síndrome do pânico, suicídio. Essas são algumas das consequências que atingem as vítimas de crimes brutais como o estupro.

O Programa de Atenção às Vítimas de Estupro foi criado justamente para prestar auxílio à vítima no momento delicado que constitui o pós-crime.

A Lei 17.995, que instituiu o programa, foi sancionada pelo governador Carlos Moisés e publicada no Diário Oficial do Estado no dia 3 de setembro. No entanto, ainda não há prazo definido para a implantação do programa.

Em entrevista ao ND+, a delegada Patrícia Maria Zimmermann D’Ávila, coordenadora das DPCAMIs (Delegacias de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso) em Santa Catarina, informou que os protocolos internos do programa estão sendo construídos e alinhados entre a Polícia Civil e o Governo do Estado.

A ideia é que a proposta seja implantada nas unidades de polícia catarinenses, entre elas, a DPCAMI e o IML (Instituto Médico Legal).

Além disso, a ação contará também com o apoio dos CRAS (Centros de Referência de Assistência Social), os Creas (Centros de Assistência Especializados de Assistência Social) e Centros de Referência de Atendimento à Mulher do Estado de Santa Catarina.

Atendimento centralizado

Conforme a delegada Patrícia, o programa quer fortalecer a interação entre as unidades de polícia e de saúde, que prestam atendimento à vítima de estupro. O objetivo é que ela receba apoio de uma equipe multidisciplinar.
Durante o atendimento, haverá a tentativa de identificar provas periciais que caracterizam o estupro praticado, subsidiando o processo criminal com laudo técnico.

“A ideia é construir um fluxo mais humano no acolhimento dessa vítima. O trabalho contínuo posterior ao crime, com uma equipe especializada, vai ser um ganho. A vítima terá suporte técnico para que tenha condições de levar uma vida melhor no futuro”, projetou a delegada.

Ela explica que o programa vai evitar que a vítima tenha que relatar a violência sofrida mais de uma vez. Para dar início aos procedimentos periciais, o servidor terá que colher o testemunho dela e as informações na unidade de saúde que realizou o primeiro atendimento.

“Quando a vítima chega ao hospital, a unidade aciona a Polícia Civil. O atendimento inicial da polícia à vítima deve ser feito no hospital. O médico-legista do IML também vai até lá. Vamos evitar que ela tenha que se deslocar. A vítima vai ter que tirar a roupa somente uma vez para fazer o exame de corpo de delito”, explica.

A lei diz que para dar início aos procedimentos periciais, o testemunho da mulher vítima e as informações colhidas na unidade de saúde, que realizou o primeiro atendimento, são elementos necessários e suficientes.

Protocolos

A lei descreve que o trabalho do programa de atendimento será realizado por profissionais peritos capacitados tecnicamente do quadro do funcionalismo público.

Sempre que possível, a vítima do sexo feminino será examinada por perito legista mulher. E nos casos de menor de idade do sexo feminino, deverá obrigatoriamente ser examinada por legista mulher.

No caso de violência contra menores, deverão ser observadas diretrizes elencadas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

“Todo o procedimento pericial deverá ser precedido de uma escuta telefônica qualificada e orientações à mulher vítima, sobre o que será realizado em cada etapa do atendimento e a importância das escutas médicas, multiprofissionais e policiais, respeitada sua decisão sobre qualquer procedimento”, informa o documento.

D´Ávila afirma que os protocolos serão construídos conforme a realidade de cada região do Estado, e que poderão sofrer ajustes.

“De qualquer forma, vamos colocar em prática essa lei porque é um ganho para as vítimas. O trabalho da Polícia Civil é procurar a autoria, mas o acompanhamento psicológico é algo muito necessário. Só quem lida com mulheres vítimas de estupro sabe o grau de vulnerabilidade delas”, diz.

Pedido de aborto por estupro

Uma portaria publicada no final de agosto, pelo Ministério da Saúde, obriga médicos e profissionais da saúde a avisarem a polícia quando atenderem mulheres que solicitem a realização de aborto por causa de estupro. A medida estabelece novas regras para que o procedimento seja feito nos casos previstos em lei.

“É obrigatória a notificação à autoridade policial pelo médico, demais profissionais de saúde ou responsáveis pelo estabelecimento de saúde que acolheram a paciente dos casos em que houver indícios ou confirmação do crime de estupro”, diz o texto.

Para a delegada Patrícia a portaria traz regras “absurdas” e que constrangem ainda mais a mulher. Contudo, ela não vê como prejudicial a notificação dos casos de estupro nas redes de saúde.

“Deveria ser algo natural a interação da saúde e da polícia para identificação da autoria. Se os autores não forem identificados, eles farão outras vítimas”, diz.

Hoje, a interrupção da gravidez é permitida por lei no Brasil em três situações: quando a gestação é resultado de violência sexual, se não há outro meio de salvar a vida da gestante e em casos de fetos com anencefalia.

Dados do estupro

A advogada Tammy Fortunato vê como importante a lei que estabelece o Programa de Atenção às Vítimas de Estupro. Segundo ela, o foco principal é evitar a revitimização, que é quando a vítima relata a violência sofrida mais de uma vez.

“A vítima presta depoimento no momento em que foi atendida, bastando que ela dê a sua versão uma única vez. A mulher quando é vítima de estupro fica muito abalada. O acolhimento bem feito dessa vítima e o amparo psicológico são fundamentais”, defende.

Para a advogada, a medida vem ao encontro de um cenário alarmante. A pesquisa “Cartografia do estupro” apontou Santa Catarina como o terceiro Estado com o maior número de casos do crime. Além disso, contrariando estereótipos, o crime também é frequente em famílias com renda e escolaridade altas.

O estudo foi elaborado pelo geógrafo e doutorando em Geografia Humana na USP (Universidade de São Paulo), Igor Venceslau. O resultado da pesquisa mostra, na visão da advogada, o quanto a mulher é desvalorizada e tratada como um objeto.

A advogada alerta ainda para a existência da subnotificação dos casos do crime de estupro. Ela cita o dado nacional de que somente de 10 a 35% das vítimas denunciam o agressor. Isto é, o número de estupros pode ser muito maior do que o notificado.

O 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em setembro de 2019, indicou que 66 mil pessoas foram vítimas de estupro no Brasil em 2018, maior índice desde que o estudo começou a ser feito em 2007. A maioria das vítimas (53,8%) foram meninas de até 13 anos.

Cultura machista

A advogada afirma que a cultura machista impregnada na sociedade faz com que, muitas vezes, a mulher vítima de estupro seja desacreditada.

“Ela chega numa delegacia para dar depoimento e a gravidade dos fatos é ignorada. ‘Você provocou?’. ‘Que roupa estava usando?’. A mulher é julgada quando relata caso de violência sexual. A palavra dela é ignorada”, destaca.

Fortunato defende a prevenção primária como forma de combater a cultura machista e mudar a realidade. Para ela, é essencial formar a base, trazendo à tona discussões nas escolas.

“Devemos trabalhar nas escolas temas como a violência contra a mulher, a questão do respeito, dos direitos humanos. Dialogando sobre essas temáticas, conseguiremos combater a cultura machista”, projeta a advogada.

Fonte: ND+
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