O TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) vai investigar a atuação da juíza Joana Ribeiro Zimmer, que tentou induzir uma menina de 11 anos, vítima de estupro, a desistir de realizar o aborto legal. O fato foi revelado nesta segunda-feira (20) em reportagem do site The Intercept Brasil.
Em nota, o TJ informou que a Corregedoria-Geral da Justiça, órgão do tribunal, já instaurou pedido de providências na esfera administrativa para a devida apuração dos fatos. O Judiciário destacou também que o processo está em segredo de Justiça, pois envolve menor de idade, "circunstância que impede sua discussão em público".
Ainda de acordo com a reportagem, a menina foi atendida por uma equipe médica no início de maio de 2022. O hospital teria negado o aborto, já que a menina estava na 22ª semana de gravidez e as regras da instituição permitiam o procedimento até a 20ª semana. O caso então foi à Justiça. O Código Penal, no entanto, permite a interrupção da gravidez em caso de estupro, sem impor limitação de semanas. Além disso, laudos médicos do caso revelam que ela corre maior risco de vida a cada semana de gravidez.
“Você suportaria ficar mais um pouquinho?”, questiona a juíza nas imagens. A promotora Alberton completa: “A gente mantinha mais uma ou duas semanas apenas a tua barriga, porque, para ele ter a chance de sobreviver mais, ele precisa tomar os medicamentos para o pulmão se formar completamente”.
Ela continua e sugere que o aborto faria a criança de 11 anos ver o bebê agonizar até a morte: “Em vez de deixar ele morrer – porque já é um bebê, já é uma criança –, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele… Ele vai nascer chorando, não [inaudível] medicamento para ele morrer”.
Nota
Em nota, a juíza Joana Ribeiro informou que “não se manifestará sobre trechos da referida audiência, que foram vazados de forma criminosa". Ela ainda afirma que o caso tramita em segredo de Justiça e que busca garantir a devida proteção integral à criança.
Já a promotora Mirela Dutra Alberton respondeu que o hospital se recusou a realizar a interrupção da gravidez e que os médicos agiriam se houvesse uma situação concreta de risco à vida da criança. “Por conta dessa recusa da rede hospitalar, inclusive com documentos igualmente médicos encaminhados à 2ª Promotoria de Justiça de Tijucas, no momento da propositura da ação era nítido que a infante não estaria sujeita a qualquer situação de risco concreto, o que, inclusive, tem se confirmado em seu acompanhamento”, afirmou, em nota.
OAB
Já a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Santa Catarina manifestou preocupação com o caso. "Dentre as situações em que a legislação brasileira autoriza a interrupção da gravidez estão a violência sexual e o risco de vida para a gestante. Diante disso, estamos buscando junto aos órgãos e instituições com atuação no caso todas as informações necessárias para, de forma incondicional, resguardarmos e garantirmos proteção integral à vida da menina gestante", afirmou a instituição.
"Em tese, pode acontecer a qualquer momento [o aborto por causa de estupro], não tem um tempo, a lei não fala em tempo. O que acontece é que muitos médicos acabam exigindo que se tenha uma autorização judicial, e isso faz com que a gravidez se prolongue", diz o advogado Matheus Falivene, especialista em direito penal pela USP (Universidade de São Paulo).
No entanto, o advogado Leonardo Pantaleão ressalta que existem precedentes judiciais que justificam interpretações como a da juíza Joana Ribeiro Zimmer. Ele ressalta, porém, que em caso de risco à grávida não existe prazo de gestação para impedir o aborto e o precedente não é válido.