O ministro da Justiça, Flávio Dino, usou o Twitter neste sábado (10) para se pronunciar a respeito de uma possível censura a shows de Roger Waters caso o músico venha a utilizar adereços com referências nazistas nas apresentações que fará no país (inclusive em Porto Alegre) em outubro e novembro deste ano.
O ex-Pink Floyd está sendo investigado pela polícia alemã por "incitação ao ódio" após ter vestido, durante um show em 17 de maio, um figurino que fazia alusão ao uniforme de oficiais nazistas. Roger Waters se pronunciou afirmando que os adereços "são claramente uma declaração em oposição ao fascismo, injustiça e fanatismo em todas as suas formas."
Dino disse que não recebeu nenhuma petição sobre uma possível "apologia ao nazismo" durante os shows e que a lei brasileira exige análise caso a caso. O ministro se comprometeu a avaliar a situação "com calma e prudência".
"Consoante a nossa Constituição, é regra geral que autoridade administrativa não pode fazer censura prévia, sendo possível ao Poder Judiciário intervir em caso de ameaça de lesão a direitos de pessoas ou comunidades", considerou Dino.
Ele também citou a lei de apologia ao nazismo. "No Brasil, é crime, sujeito inclusive à prisão em flagrante fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo", continuou. "Essas normas valem para todos que aqui residam ou para cá venham. Friso o que está na norma penal: 'para fins de divulgação do nazismo', o que obviamente exige análise caso a caso."
O esclarecimento de Flávio Dino foi feito após publicação de Lauro Jardim, de O Globo, afirmando que se Roger Waters usasse seu figurino ao estilo de uniforme nazista em show no Brasil, seria "preso pela Polícia Federal", citando uma suposta conversa privada entre o ministro do STF Luiz Fux e o ministro da Justiça Flávio Dino, após pedido de representantes da comunidade judaica.
Conforme o colunista, o advogado Ary Bergher, que é vice-presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib) e presidente do Instituto Memorial do Holocausto, sediado no Rio, pediu que o ex-Pink Floyd fosse impedido de entrar no país e de se apresentar aqui. Segundo a petição, Waters "há mais de décadas pratica condutas e faz declarações nitidamente antissemitas".
Entenda o caso
A polícia de Berlim anunciou em 26 de maio que estava investigando Roger Waters por incitação ao ódio. Imagens divulgadas nas redes sociais mostram o músico vestindo um longo casaco preto com braçadeiras vermelhas, durante um show na Mercedes-Benz Arena.
— As roupas usadas no palco podem ser utilizadas para glorificar ou justificar o regime nazista, perturbando a ordem pública — disse à AFP o porta-voz da polícia de Berlim, Martin Halweg. — As roupas lembram o uniforme de um oficial da SS (sigla para Schutzstaffel, considerada a unidade de elite do Partido Nazista).
Durante o show, um telão exibia os nomes de várias pessoas falecidas, incluindo o de Anne Frank, a adolescente judia que morreu em um campo de concentração nazista, e de Shireen Abu Akleh, a jornalista com cidadania palestina e americana do canal Al Jazeera que faleceu em uma operação israelense em maio de 2022.
O show de Waters em Berlim recebeu muitas críticas em Israel. O ministério israelense das Relações Exteriores afirmou que Waters "profanou a memória de Anne Frank e de 6 milhões de judeus assassinados no Holocausto".
"Waters quer comparar Israel com os nazistas. Ele é um dos maiores críticos dos judeus de nossa época", escreveu no Twitter o embaixador de Israel na ONU, Danny Danon.
Waters é um conhecido ativista pró-Palestina que já foi acusado de ter posições antijudaicas. Em seus shows, ele utiliza um porco inflável com a estrela de David. O músico também defende ações de boicote a produtos israelenses.
As autoridades da cidade alemã de Frankfurt cancelaram um show do músico programado para 28 de maio, mas a decisão foi anulada por um tribunal administrativo em nome da liberdade de expressão.
Em resposta, Waters disse que suas performances são uma clara demonstração de oposição ao fascismo. "As tentativas de retratar esses elementos como algo diferente são dissimuladas e politicamente motivadas. A representação de um demagogo fascista desequilibrado tem sido uma característica dos meus shows desde The Wall, do Pink Floyd, em 1980", declarou, em publicação no Instagram.