Com o argumento de simplificar a arrecadação no Brasil, a reforma tributária é debatida há três décadas e tem, na ideia de um imposto único, sua principal mudança. Porém, a proposta, prevista para ser votada na Câmara esta semana, provoca divergências. “Haverá um grande aumento de carga tributária e isso será repassado para o preço. Vai acabar com a classe média que consome serviços, como saúde, educação, profissionais liberais”, alertou o presidente do Instituto de Estudos Tributários (IET) e presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB-RS, Rafael Korff Wagner.
Se aprovada, será criado o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual. Com isso, os impostos federais Pis, Cofins e IPI seriam unificados em um mesmo tributo, chamado de Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Já o ICMS (estadual) e o ISS (municipal), seriam transformados no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Essa mudança é apoiada pelo Executivo do Rio Grande do Sul e pelo governador Eduardo Leite que, inclusive, entregou carta aos líderes de bancada pedindo que a medida seja implementada, desde que se preserve a autonomia dos entes federativos. “A preocupação é alertar para que a legislação contenha garantias de que estados e municípios possam gerir, de forma autônoma, os recursos arrecadados, evitando que o dinheiro fique na mão da União”, explicou Wagner, que observa o interesse dos estados nesse sistema. “Vivemos em um mundo cada vez mais digital, em que há um deslocamento da tributação sobre bens, sobre mercadorias (ICMS), para uma tributação cada vez mais sobre os serviços (ISSQN).” Um exemplo, segundo ele, está nas facilidades oferecidas pelas companhias telefônicas, que são vendidas como serviço, incidindo sobre elas o ISSQN. “É o que chamamos de economia digital, que hoje não está contemplada no sistema atual, da década de 1960.”
A partir da aprovação, não existirá mais a diferenciação entre “bens” e “serviços”. Dessa forma, passa-se a tributar tudo e a arrecadação é dividida entre União, estados e municípios. Pelo atual sistema, cada ente cobra sua parte, de acordo com as competências estabelecidas na Constituição (mercadorias ou serviços), mas a partir da aprovação da reforma, todos cobrarão sobre tudo, mercadorias ou serviços.
Setor será onerado e repassará aumento
O presidente da Fecomércio-RS, Luiz Carlos Bohn, entende que o setor dos serviços será onerado com essa forma de tributação proposta e, com isso, o consumidor final acabaria pagando a conta. “Isso geraria sérios problemas de impacto nos preços e incentivo à informalidade.” Os serviços pagam, atualmente, no máximo 14,25% com a soma de PIS, Cofins e ISS. “Cogita-se que a nova alíquota seria fixada no patamar em torno de 25%, o que acarretaria aumento substancial para todos os setores de serviços”, assinalou. A entidade defende manutenção da carga tributária global e da carga do segmento. Mesmo assim, avalia a necessidade de uma reforma, porém com foco na simplificação. “Na prática, que reduza burocracias e facilite as operações das empresas”, concluiu.
Além da unificação de impostos, a ideia da reforma ainda inclui outros itens como um Fundo de Desenvolvimento Regional para financiar projetos nos estados mais pobres. Há ainda previsão de alíquotas reduzidas para alguns setores da economia e margem para a criação de um sistema de cashback, que será regulamentada por lei complementar. Mudanças na taxação sobre patrimônio também são projetadas, assim como cobrança de imposto sobre meios de transporte de luxo.
Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual
-Cobrado por fora
-Não incide sobre investimentos e exportações
-Fica no local
-Cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), unindo o Programa de Integração Social, PIS (federal) e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social, Cofins (federal)
-Cria o Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI (federal), que une Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS (estadual) e Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS (municipal)
Fonte: Ministério da Fazenda
Cesta básica teria alta de valores
Um dos setores contrários à proposta atual da reforma tributária é o supermercadista. O presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Galassi, entregou um estudo ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, neste final de semana, mostrando que a cesta básica sofreria um aumento de até 60%, dependendo do estado. Segundo ele, uma alíquota de 12,5% incidiria sobre os itens.
Contudo, o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, rebateu os números. “Não consideram todo o resíduo tributário correspondente a todas as etapas anteriores da produção e o custo tributário que incide nos produtos é o custo todo, desde o produtor até o consumidor, contando todo o imposto que é pago, inclusive o imposto que não é recuperado em todas essas etapas”, disse. Explicou ainda que a entidade se baseou na tributação da margem dos produtos da cesta básica. “Esqueceram de colocar no cálculo deles a redução de custos que os supermercados vão ter em função da cesta básica, pela recuperação de créditos que hoje eles não recuperam.”