A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) decidiu
anular algumas das regras de direitos dos consumidores, aprovadas em 2023, atendendo
a pedidos das operadoras.
Um dos pontos anulados é a proibição da prestadora de
serviços de telecomunicações --como planos de celular, internet e TV por
assinatura-- alterar características da oferta durante o seu período de
vigência. Com isso, o preço do plano, por exemplo, poderá ser modificado no
meio do contrato. (veja as principais mudanças mais abaixo)
As novas regras entram em vigor em setembro de 2025.
As mudanças, aprovadas na quinta-feira (5), se referem a
artigos do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de
Telecomunicações (RGC).
Por maioria, o Conselho Diretor da Anatel aprovou o voto
apresentado pelo conselheiro Alexandre Freire, que discordou do relator,
Raphael Garcia. O relator havia votado por rejeitar os pedidos de anulação.
As novas regras mudam os seguintes pontos:
alteração da oferta
migração automática
suspensão por inadimplência
data de reajuste
Alteração da oferta
O trecho do regulamento vedava que as operadoras mudassem as
características da oferta, como preço, acesso e fruição, durante o período de
vigência do plano.
Para Freire, o Código de Defesa do Consumidor já trata do
assunto ao limitar a modificação dos contratos a alterações unilaterais. Ou
seja, a operadora não pode mudar os termos da oferta sem que o consumidor
aceite as alterações.
Já a norma da Anatel vedava completamente qualquer
alteração. Para Freire, esse trecho deve ser anulado porque proíbe alterações
de "cláusulas contratuais para beneficiar o consumidor".
"Eventualmente, será necessário alterar cláusulas
contratuais para beneficiar o consumidor, como a inclusão de itens que ela
precise, sem que necessite mudar sua oferta. Isso evita que o consumidor seja
compelido, por exemplo, a aceitar uma oferta pior do que aquela oferta atual
por falta de um item essencial em determinado momento", justificou.Operadoras
de celular poderão mudar valor de plano durante contrato
O coordenador do programa de Telecomunicações e Direitos
Digitais do Idec, Luã Cruz, destaca que há um desequilíbrio na relação entre
operadoras e consumidores.
"Muitas pessoas não sabem dizer como é que funciona de
fato a sua própria oferta. E essa alteração durante a própria vigência do
contrato pode confundir o consumidor e até gerar custos inesperados",
declarou.
Para o especialista, é preciso mais transparência para as
ofertas. "A gente defende, e sempre defendeu, que toda mudança deve ser
precedida de uma análise mais transparente e permitir que o consumidor opte
pela continuidade ou rescisão do contrato sem penalidade."
Migração automática
O regulamento aprovado em 2023 permitia a migração
automática para um novo plano, caso o consumidor não manifestasse adesão a uma
nova oferta antes da extinção do plano contratado.
A migração automática, contudo, deveria ser feita para um
plano que fosse de igual ou menor valor, sem prazo de permanência.
Esse trecho foi anulado pela Anatel. Segundo Freire, a norma
é nula porque "permite a migração automática do consumidor sem permitir
que a nova oferta seja compatível com suas necessidades. Embora o critério de
igual ou menor valor seja econômico, ele pode não refletir a qualidade e
utilidade do serviço para o consumidor."
Mas a migração automática segue sendo possível. Para isso, o
consumidor precisa ter concordado previamente, por meio da assinatura do
contrato.
Freire também determinou que o grupo de acompanhamento do
regulamento faça alterações no manual operacional.
"[Alterações] Tais como: empregar soluções das ciências
comportamentais para incremento do bem-estar do consumidor, a fim de
estimulá-lo a ter uma postura ativa perante o seu contrato, para não correr o
risco de sofrer uma rescisão indesejada", disse.
O coordenador do Idec afirma que a mudança pode abrir espaço
para práticas abusivas. "As operadas podem migrar os consumidores para
planos mais caros ou com características que atendam menos suas necessidades
sem uma consulta adequada", afirmou.
Suspensão por inadimplência
O regulamento proibia a cobrança da assinatura ou qualquer
outro valor durante o período de suspensão parcial dos serviços de telecomunicações
por inadimplência, ou seja, nos primeiros 30 dias.
Funcionava assim: se o consumidor não pagasse o seu plano de
celular, a operadora deveria manter o recebimento de chamadas e de mensagens de
texto pelo prazo de 30 dias contados a partir do início da suspensão. Além
disso, o consumidor não deveria ser cobrado pelos serviços prestados durante a
suspensão.
Esse trecho do regulamento foi anulado completamente. Para
Freire, cujo voto prevaleceu, a medida viola a Lei Geral de Telecomunicações e "interfere
nos modelos de negócios das operadoras".
"Proibir a cobrança impõe a prestação gratuita de
serviços, como recebimento de chamadas e mensagens [por] 30 dias e acesso a serviços
de emergência", declarou.
Para o Idec, os consumidores perderem direitos com a
anulação desse trecho, uma vez que os serviços de telecomunicações são
essenciais.
"Quem são os consumidores que frequentemente são
suspensos por falta de pagamento? É quem não tem dinheiro, são os mais pobres.
Aqui, vemos uma penalização dos consumidores hiper vulneráveis", afirmou
Cruz.
Data de reajuste
Outra mudança foi o marco da data de contratação do plano
como "data-base" para o reajuste. Antes, o regulamento usava a data
em que o cliente contratou o plano como referência. Dessa forma, o reajuste só
poderia ser feito 12 meses após a data-base.
Agora, com a alteração no texto, o reajuste não fica restrito
à data de contratação do plano. Ou seja, a operadora poderá definir a data-base
do plano no contrato.
"Essa nova abordagem torna mais difícil para o
consumidor acompanhar e planejar os custos do contrato, especialmente se as
datas de reajuste forem aplicadas de maneira generalizada e
descoordenada", afirmou Cruz.
Para o coordenado do Idec, a mudança não permite clareza ao
consumidor, que pode ter dificuldade para entender quando os reajustes serão
aplicados.
Ao anular o trecho, Freire determinou que o grupo de
implantação do RGC inclua no manual operacional do regulamento "rotinas
que permitam ao consumidor internalizar adequadamente a data-base do contrato,
de modo a poder avaliar adequadamente se deve ou não contratar determinado
produto de telecomunicações".