Tiros, facadas, estrangulamento contra adolescentes ou mulheres adultas. Santa Catarina registrou, de janeiro a abril de 2025, 14 casos de feminicídio em todo o Estado — 39% a menos que no mesmo período do ano anterior, quando foram 23 casos. O número também é o menor para o período nos últimos quatro anos. No entanto, dados da Secretaria do Estado de Segurança Pública (SSP/SC) revelam um “padrão” assustador: pelo menos 42% dos casos ocorreram durante o fim de semana.
Segundo os dados, três crimes foram cometidos na sexta-feira, um no sábado e dois no domingo. Isso quer dizer que ao menos seis mulheres foram assassinadas durante os finais de semana, quase metade do número total. A presidente da Comissão Nacional de Combate à Violência Doméstica da OAB Nacional, Tammy Fortunato, explica que há um motivo para esse “padrão”: a ingestão de bebida alcoólica pelos agressores.
Ela explica que as pessoas deixam para ingerir bebidas alcoólicas aos finais de semana pois trabalham durante a semana e querem ter um momento de relaxamento no período de descanso. Porém, o efeito do álcool no cérebro pode ser determinante para as ações violentas de algumas pessoas, agindo como se fosse um “gatilho”.
— Nós temos no nosso sistema nervoso uma questão chamada de freio inibitório. Quando ingerimos bebida alcoólica, esse freio inibitório fica prejudicado. Com isso, as pessoas colocam para fora a raiva, frustração, insegurança e medo, e acabam descontando na mulher — explica.
Em dias de jogo de futebol, por exemplo, o índice de ingestão de bebida alcoólica também aumenta, o que também pode contribuir para os episódios de violência, segundo ela. No entanto, em um artigo escrito em conjunto com o doutor em Farmacologia Leandro Franco Vendruscolo, a advogada aponta que o consumo de bebida alcoólica não isenta o homem de suas responsabilidades. Isto porque o consumo de álcool “não muda a personalidade da pessoa e a tendência de comportamento agressivo”. “A culpa é da pessoa e não do álcool”, escreveu.
A ingestão de bebidas alcoólicas também está atrelada à falta de registros de boletins de ocorrência contra os agressores ou da procura por ajuda, alegando que o homem estava sob efeito de álcool, o isentando de responsabilidade, e que o comportamento do agressor pode mudar assim que o efeito da bebida “passar”.
No artigo, Leandro e Tammy explicam ainda que “a violência está intrínseca no homem autor da violência e, somente uma mudança em seus padrões morais será capaz de cessar as violências praticadas contra a mulher”.
O perfil das vítimas
O perfil das vítimas também é semelhante. A maioria tinha entre 45 e 49 anos, com outros três casos vitimando mulheres de 10 a 19 anos, de acordo com o Observatório da Violência Contra a Mulher em Santa Catarina.
Um dos casos que chocou a população foi o assassinato de Maria Gabriela, de 14 anos, no Vale do Itajaí, encontrada morta no dia 14 de fevereiro com marcas de agressão e perfurações pelo corpo. O namorado dela, nove anos mais velho, é o principal suspeito do crime. Ele foi preso três dias depois, investigado por feminicídio e ocultação de cadáver.
78% das vítimas não fizeram boletim de ocorrência antes do crime
Ainda conforme o Observatório da Violência Contra a Mulher, cerca de 78% das vítimas não haviam registrado boletim de ocorrência contra os autores dos crimes antes dos assassinatos. Em outros três, o B.O. foi feito contra o suspeito. Em apenas um dos casos, o autor já tinha passagens por violência doméstica contra outras mulheres.
A maioria dos autores foi o marido ou namorado das vítimas — quatro casos de cada —, sendo que mais da metade já tinha registros policiais.
Em sete casos, o autor foi preso. Em três, os suspeitos continuam foragidos e em um caso, o criminoso cometeu suicídio. Em outros três, não foi informada a atual situação do suspeito.
O último caso registrado em abril foi o do assassinato de Terezinha Soares Moreira Martins, de 43 anos, em Brusque, no dia 29. Uma peculiaridade que chamou a atenção foi o fato de o suspeito já ter sido condenado por tentar matar outra mulher, segundo a Polícia Militar.
Foi em 2010, também em Brusque. Ele recebeu a sentença em 2024, já preso, mas estava respondendo em liberdade. Em depoimento, ele disse que matou Terezinha, com quem namorava há cerca de um ano, por ciúmes. Eles moravam em uma casa nos fundos do terreno dos pais, que presenciaram as quatro facadas que a filha levou do homem.
Armas brancas são mais utilizadas que armas de fogo
Armas brancas foram as mais utilizadas nos casos de feminicídio em Santa Catarina neste ano: foram nove cometidos com esse tipo de instrumento. Em dois, as vítimas foram mortas com a utilização de arma de fogo. A presidente da Comissão Nacional de Combate à Violência Doméstica da OAB Nacional, Tammy Fortunato, explica que essa estatística não é só de Santa Catarina, mas de todo o Brasil.
Isto porque a arma branca, segundo ela, é um instrumento que todas as pessoas possuem em casa, como facas e tesouras, de acesso fácil. A mesma lógica se aplica aos crimes cometidos por estrangulamento ou esganadura, já que “as mãos também matam”.
— São instrumentos que nós temos em casa, que estão ao alcance de qualquer pessoa. Fica muito mais fácil — explica.
Trabalho integrado
O secretário de Estado de Segurança Pública, Flávio Rogério Pereira Graff, lamentou as mortes ocorridas e apontou para os “resultados expressivos na proteção à vida e na segurança pública” que Santa Catarina vem alcançando, em referência a queda de 39% no número de casos em relação a 2024.
Para Graff, os números são o reflexo de um trabalho integrado e coordenado entre todas as forças de segurança, como a Polícia Militar, a Polícia Civil, a Polícia Científica e o Corpo de Bombeiros Militar, além de “uso estratégico da tecnologia e da capacitação constante das equipes”. Um novo projeto, que está em desenvolvimento e que também terá efeitos na captura de autores de crimes contra às mulheres, é a implementação de câmeras de segurança com reconhecimento facial em áreas estratégicas.
— Essa tecnologia fortalecerá ainda mais o monitoramento e a prevenção à violência. Cada vida preservada é uma vitória. Esses resultados mostram que estamos no caminho certo, mas não vamos parar por aqui — disse.
O secretário também destacou a rede de proteção catarinense, com a Rede Catarina de Proteção à Mulher, as delegacias de proteção à criança, adolescente, mulher e idoso, as salas lilás para atendimento humanizado nas delegacias de polícia e o botão do pânico para mulheres com medidas protetivas. Além disso, segundo Graff, também são feitas ações educativas que promovem o diálogo e a conscientização.
— Santa Catarina luta fortemente contra essa barbárie que é o feminicídio e nós haveremos de conseguir e suplantar todos aqueles que pensam diferente de que a mulher tem absolutamente o seu valor tanto quanto o homem em qualquer local da sociedade em qualquer momento — finalizou.