O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acaba de divulgar dados compilados sobre práticas religiosas no país. Embora o catolicismo siga como religião dominante no Estado, Santa Catarina acompanha a tendência nacional de queda na proporção de fiéis, enquanto evangélicos, grupos sem religião e religiões afro-brasileiras experimentam um notável crescimento, revelam os dados do Censo 2022.
Os católicos continuam como o maior grupo religioso em Santa Catarina, representando 64,3% da população com 10 anos ou mais. No entanto, a participação reduziu 9,2 pontos percentuais em relação a 2010, quando era de 73,5%. Apesar da queda na fatia da população, o número de católicos cresceu 7,2% desde 2010, o equivalente a 307,9 mil pessoas a mais. O crescimento de católicos no Estado foi menor que o de 2000 a 2010 (12,2%), ano do último Censo.
Os evangélicos, por outro lado, cresceram e agora representam 23,4% da população catarinense — um aumento de 3,8 pontos na comparação com 2010, quando eram 19,6%. O grupo ganhou 498 mil novos fiéis no período, chegando a 1,6 milhão de pessoas. O avanço, no entanto, representa metade do crescimento verificado entre 2000 e 2010 (64%).
— Os evangélicos estão se impondo mais na sociedade, colocando mais seus valores, suas ideias, sua fé — observa a pesquisadora do IBGE, Maria Goreth Santos.
Outro dado de Santa Catarina que chama a atenção é que o grupo “Sem religião” saltou de 3,2% para 6,3%, enquanto as religiões afro-brasileiras (Umbanda e Candomblé) tiveram o maior crescimento relativo (82,8%), chegando a 0,8% da população.
O doutor em Sociologia Política, professor do departamento de Sociologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisador na área de Teologia e Investigação Sociológica da Religião, Carlos Eduardo Sell, destaca que o Estado segue sendo “profundamente católico”, o 7º em que a religião é predominante no país. Porém, aponta uma queda de quase 1% ao ano na proporção de praticantes da religião. Dessa forma, foi registrada uma queda de 9,2% no número de católicos no Estado entre 2010 e 2022, de 73,6% (em 2010) para 64,5% da população em 2022, destaca.
— O que chama a atenção é que a maior parte dessa sangria não foi absorvida pelo campo evangélico-pentecostal, que diminuiu seu ritmo de crescimento (4% em 2022 contra 7% em 2010). Além disso, não podemos esquecer que SC possui uma comunidade protestante tradicional expressiva, que não é pentecostal (como em Blumenau ou Joinville, por exemplo). Os demais 5% que saíram da Igreja católica parecem ter se distribuído para os sem religião (que subiram 3%) e para as demais formas de religiosidade — alega Carlos Sell.
Capital Catarinense da Cuca é a cidade mais evangélica de SC, segundo IBGE
O pesquisador afirma que do último Censo para este a Igreja Católica manteve sua perda de fiéis, porém o fluxo de evasão mudou de forma significativa. Enquanto os evangélicos perderam parte de sua capacidade de atração, as novas formas de religiosidade cresceram, assim como os segmentos sem religião.
— No mundo globalizado, subjetivo e líquido da sociedade contemporânea, crer sem pertencer a um grupo religioso (o sem religião não é ateu, mas “desigrejado”) tem se tornado uma tendência cada vez mais forte entre os jovens, principalmente de classe média — pontua.
Ainda em relação a essa tendência de mudança dos perfis, o pesquisador destaca o crescimento da representatividade das religiões de matriz africana, como a Umbanda e o Candomblé, que cresceram de 0,2% para 0,8% em Santa Catarina entre 2010 e 2022. O aumento nesse grupo foi de 9 mil para 52,3 mil pessoas.
— O notável crescimento das religiões afro-brasileiras parece indicar um movimento de retomada da identidade negra. Provavelmente muita gente já frequentava os terreiros, mas não assumia essa prática como uma religião própria, isso agora está mudando. Além disso, a umbanda também vem sendo adotada por certos setores da classe média branca, em geral com formação universitária, como uma forma de religiosidade alternativa — explica o sociólogo.
Mulheres predominam entre os grandes grupos
Em Santa Catarina, as mulheres predominam entre os seis grandes grupos religiosos, tendo a maior representação entre os espíritas (60,7%). Os homens são maioria somente entre os sem religião (55,2%) e entre os que não sabiam (65,2%) ou que não declararam religião (51,8%). Os números seguem uma tendência nacional, na qual as mulheres prevalecem nos mesmos grupos religiosos do que em Santa Catarina. A exceção é o grupo “tradições indígenas”, que tem a liderança dos homens a nível nacional (50,9%), porém no qual eles são apenas 46,2% no Estado.
O sociólogo Carlos Sell pontua que essa maior presença das mulheres dentro das instituições religiosas se dá por conta dos papéis de gênero, onde a figura feminina é responsabilizada por transmitir os valores religiosos.
— Na divisão social dos papéis de gênero, a mulher sempre foi a responsável pela educação dos filhos, incluindo a transmissão dos valores religiosos. Os homens sempre se mantiveram mais indiferentes ao fator religioso. Isso mostra como esse padrão tradicional está profundamente ancorado em nossa cultura — explica.
Outros dados divulgados pelo IBGE são relacionados a distribuição dos fiéis conforme a idade. A maior participação dos católicos é entre pessoas de 80 anos ou mais (77,4%), e a menor entre pessoas de 25 a 29 anos (57,9%). Já os evangélicos possuem a maior representação na população catarinense de 10 a 14 anos (28,2%) e de 15 a 19 anos (26,3%).
— Os evangélicos têm maior penetração no mundo jovem porque possuem uma linguagem mais acessível e uma organização mais flexível que a Igreja Católica. Eles também atuam melhor no mundo da comunicação social. Com mais apelo entre os jovens, o campo pentecostal vai continuar crescendo — pontua o pesquisador Carlos Sell.
População indígena catarinense é de maioria evangélica, indica IBGE
A maior participação das pessoas sem religião é entre os grupos mais jovens, tendo o seu auge na faixa etária de 20 a 24 (10,6%) e 25 a 29 anos (10,5%). O grupo de pessoas sem religião cai consideravelmente entre os mais velhos, com proporções abaixo de 4,0% após os 49 anos de idade. A Umbanda e o Candomblé são mais populares entre os jovens, representando 1,0% ou mais das pessoas de 15 a 29 anos e caindo para menos de 0,6% após os 49 anos.
A maior parcela dos católicos, equivalente a 32,4%, são sem instrução ou têm nível fundamental incompleto. Católicos com nível médio completo representam 31,3% do total. Já a proporção de católicos com 25 anos ou mais com nível superior completo é de 21,2%.
Entre os evangélicos, prevalece o nível médio (34,11%). Já os evangélicos com nível superior completo representam 15,9%. Em cinco grupos de religião a maior parcela é de pessoas com nível médio completo: Evangélicos (34,1%), outras religiosidades (40,9%), Umbanda e Candomblé (41,8%), tradições indígenas (32,1%) e os sem religião (38,3%).
Somente entre os espíritas as pessoas com nível superior completo são maioria (51,9%). A segunda maior proporção de pessoas com nível superior completo ocorre entre pessoas sem religião (32,0%). Entre os que não sabiam declarar a religião, predominam as pessoas sem instrução e com nível fundamental incompleto (35,5%).
Fenômeno nacional
O cenário de crescimento dos evangélicos, mas com maioria ainda católica, se repete nacionalmente. Segundo o IBGE, 56,7% da população brasileira afirmou ser católica em 2022, o menor percentual desde as primeiras pesquisas sobre religião realizadas no país, em 1872. Já o número de evangélicos no Brasil atingiu o maior número registrado e cresceu 5,2 pontos percentuais entre 2010 e 2022, passando de 21,6% para 26,9% da população.
O catolicismo é a religião predominante em todas as grandes regiões do país, tendo sua maior concentração no Nordeste (63,9%), seguido da Região Sul (62,4%), e a menor proporção na Região Norte (50,5%). Já os evangélicos variam entre 36,8%, na Região Norte, e 22,5%, no Nordeste. Além dos católicos, também caiu a parcela daqueles que seguem o espiritismo no país: de 2,2% em 2010 para 1,8% em 2022. Em contrapartida, a parcela de seguidores da umbanda e do candomblé triplicou no mesmo período, de 0,3% para 1%.
Já a parcela de brasileiros que se declararam sem religião também aumentou, de 8% para 9,4%, uma alta de 1,4 ponto percentual em 12 anos. Outros segmentos religiosos também cresceram. Seguidores de tradições indígenas passaram a ser 0,1% (antes, a proporção era menor que 0,1%), e praticantes de outras religiões subiram de 2,7% para 4%. Aqueles que não sabem ou não declararam cresceu de 0,1% para 0,2%.
— Um movimento tem sido feito nos últimos contra a intolerância religiosa. E essas pessoas estão se colocando como umbandistas, candomblecistas, estão se voltando para essa religiosidade. A gente pode ter também uma migração das pessoas [que já seguiam essas religiões, mas] que se declaravam como espíritas ou católicas, em função do medo ou da vergonha de se declararem como umbandistas ou candomblecistas — destaca Maria Goreth, pesquisadora do IBGE.
Trio de cidades na fronteira com a Argentina lidera entre as mais católicas de SC
Três municípios vizinhos, que ficam na fronteira de Santa Catarina com a Argentina, destacaram-se por integrar o ranking de cinco cidades mais católicas do Estado. São eles: São João do Oeste, Santa Helena e Tunápolis, segundo os dados do IBGE. Neles, mais de 90% da população com mais de 10 anos se declaram católicos. Entre as características em comum, além da localização próxima, está a forte colonização alemã. Os outros dois municípios na lista dos mais católicos ficam no Meio-Oeste e na Serra Catarinense.
São João do Oeste, que é conhecida como “capital catarinense da língua alemã”, tem 6,2 mil moradores e teve a fé católica como um dos pilares durante sua colonização. A região foi colonizada pelo Volksverein, entidade colonizadora do Rio Grande do Sul, que tinha a construção de capelas e escolas como prioridade. A Igreja Matriz São João Berchman é um dos símbolos do município, um dos maiores templos de madeira da América Latina.
O município de Rio Fortuna, o único na Serra catarinense entre os cinco mais católicos, tem 95,56% da população católica, 3,46% evangélica, 0,45% se declara sem religião e 0,39% de outras religiões. Ainda, 0,08% da população é da umbanda e candomblé, e 0,06% espírita. O município de 5 mil habitantes fica a cerca de 200 quilômetros da capital Florianópolis. A prefeitura destaca a forte presença de católicos, com a realização da tradicional Festa do Padroeiro São Marcos no final do mês de abril, principal evento da cidade, marcado pela gastronomia local e pelo motocross.
Em Santa Helena, os católicos representam 95,51% do total da população. Os evangélicos são 3,65%. A cidade de 2,4 mil pessoas tem a produção agrícola como destaque na economia, especialmente o milho, mas também produz outras culturas e desenvolve suinocultura, bovinocultura, avicultura e apicultura.
Em Tunápolis, vizinha a Santa Helena e São João do Oeste, a população de católicos é de 93,29%. O município de 4.916 habitantes tem a religião católica como marca desde a fundação. Na década de 1950 se fixaram as primeiras famílias de imigrantes alemãs, vindas do Rio Grande do Sul. A principal exigência da sociedade colonizadora para vender terras na região é que a pessoa interessada em adquirir os lotes fosse de origem alemã e da religião católica.
A cidade de Macieira, no Meio-Oeste, tem 91,89% da população que se declara católica, e 7,59% de evangélicos. Ainda, 0,36% afirma não ter religião, e 0,15% diz pertencer à umbanda e candomblé. Na década de 1940, foi construída pelos próprios moradores a primeira igreja da cidade. As missas eram presididas pelos freis Cassiano e Daril, que vinham a cavalo de Herval D’ Oeste. Como a presença deles não eram constante, os moradores se responsabilizam pelas orações quando eles não estavam.
Capital da Cuca é a mais evangélica
Arabutã, no Meio-Oeste catarinense, é a cidade com a maior proporção de evangélicos de Santa Catarina. De acordo com os dados, 76,47% da população disse ser evangélica, contra 22,79% de católicos. É uma das poucas cidades catarinenses cuja proporção de evangélicos é maior que a de católicos, e a segunda com a maior porcentagem entre os municípios brasileiros.
No Brasil, Arroio do Padre, no Rio Grande do Sul, é o município mais evangélico, com 88,74% da população pertencente a esta religiosidade. Além disso, é uma das poucas onde a proporção de pessoas sem religião é maior que a de católicos: 7,23% declarou não ter religião, enquanto apenas 2,81% declarou ser católico.
Arabutã fica colada com Concórdia, mas poderia ser na Alemanha: de acordo com dados da prefeitura, cerca de 62% da população ainda fala alemão, especialmente o dialeto Hunrückisch, trazido pelos primeiros imigrantes alemães e muito falado tanto no Oeste de Santa Catarina quanto no Rio Grande do Sul. É dessa origem que vem a tradição da cuca, que conferiu a Arabutã o título de Capital Catarinense da iguaria, sempre presente na mesa, seja em festas ou no café da tarde do dia a dia. O título foi dado à cidade em 2010.
Mas não é só de cuca que vive o arabutanense: outros pratos alemães que se destacam são o salame cozido, o Eisbein (joelho de porco) e o chucrute. A “tripa grossa” também é um prato tradicional, servido junto com uma cuca gigante no aniversário do município, comemorado em 31 de março.
População indígena é de maioria evangélica
Os evangélicos são maioria em somente um grupo das cinco categorias de cor ou raça do Censo: os indígenas. A população em Santa Catarina corresponde a 16.148 pessoas, de acordo com o levantamento. Dessas, 6,3 mil se declararam evangélicas. O número fica um pouco acima dos católicos, que são 6.250. As tradições indígenas são a religião de somente 6% da população indígena em Santa Catarina.
Em seguida, aparecem os indígenas que não possuem religião, que são 1.544 pessoas (9,56%). Depois aparecem as tradições indígenas, com 977 pessoas (6%), outras religiosidades, com 591 pessoas (3,66%), umbanda e candomblé, com 228 pessoas (1,41%), espírita, com 144 pessoas (0,89%), sem declaração, 104 pessoas (0,64%), e não sabe, 10 pessoas (0,06%).
O doutor em Sociologia Política e pesquisador na área de Teologia e Investigação Sociológica da Religião, Carlos Eduardo Sell, vê com preocupação o crescimento do grupo evangélico dentro da população indígena.
— O dado revela o protagonismo proselitista dos missionários evangélicos-pentecostais e representa um sério fator de ameaça à identidade religiosa dos povos originários — afirma o sociólogo.
Os católicos apostólicos romanos são maioria nas outras quatro categorias de cor e raça investigadas no Censo Demográfico 2022 — brancos, pardos, pretos e amarelos. A maior proporção de católicos é entre pessoas que se declararam brancas, com 67,5% de católicos.
Em Santa Catarina, os evangélicos têm percentuais abaixo da média (23,4%) entre as pessoas brancas (21,1%) e amarelas (16,8%). Entre as declaradas amarelas há um percentual elevado de pessoas que se declaram sem religião (22%) em comparação ao de pretas (9,9%), pardas (7,8%) e brancas (5,7%).
As pessoas de cor ou raça amarela também possuem maior proporção de espíritas (2,6%), em comparação com brancos (1,7%), pretos (1,5%) e pardos (1,1%). A categoria “outras religiosidades”, que inclui as religiões orientais, também está mais representada entre os amarelos (12%), do que entre os pardos (4,2%) e brancos (3,1%).
Cidades mais católicas de SC
São João do Oeste 96.22%
Rio Fortuna 95.56%
Santa Helena 95.51%
Tunápolis 93.29%
Macieira 91.89%
Arabutã 76,47%
Pomerode 57,07%
Alto Bela Vista 55,02%
Benedito Novo 54,92%
Braço do Trombudo 48,92%