
A família Brasil perdeu um dos seus maiores gênios. Discreto na vida, certeiro nas palavras, Luis Fernando Verissimo morreu neste sábado (30) em Porto Alegre, aos 88 anos. A informação foi confirmada pela família à colunista Juliana Bublitz.
Criador do Analista de Bagé e da Velhinha de Taubaté, entre outros personagens inesquecíveis, ele enfrentava a doença de Parkinson e sequelas de um acidente vascular cerebral (AVC) sofrido em 2021. Verissimo estava internado desde 11 de agosto no Hospital Moinhos de Vento, na Capital, com um "princípio de pneumonia".
A despedida será no Salão Nobre Júlio de Castilhos, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, das 12h às 18h.
O escritor, cartunista, tradutor, roteirista de televisão, autor de teatro, romancista e saxofonista era filho do também célebre escritor Erico Verissimo e de Mafalda Verissimo. Ele deixa a esposa, Lúcia Verissimo, com quem era casado desde 1963, três filhos — Fernanda, Mariana e Pedro — e dois netos.
Sobre seu estilo de levar a vida, ele mesmo brincava:
— A falsa ideia, entre meus amigos, de que eu falo pouco se deve ao fato de que entre eles eu não tenho oportunidade. Eu não sou quieto, sou é muito interrompido.
Já quando o tema da conversa era a morte, certa vez sentenciou:
— Meu medo é que tenha outra vida após a morte, mas que seja só para debater esta.
Nascido em Porto Alegre em 26 de setembro de 1936, Luis Fernando Verissimo mudou-se com a família para os Estados Unidos aos cinco anos, após seu pai ser convidado para lecionar literatura brasileira na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Lá, ficou por dois anos e, ainda criança, estudou em solo norte-americano até retornar ao Brasil.
Entre 1953 e 1956, a família residiu novamente nos Estados Unidos. Assim, durante a sua adolescência, estudou no Roosevelt High School, em Washington, e nessa época se interessou por jazz, tendo aulas de saxofone. Ao voltar ao Brasil, trabalhou no departamento de arte da antiga Editora Globo, em Porto Alegre. No começo da década de 1960, graças a seu amor e sua dedicação à música, fez parte do conjunto Renato e seu Sexteto.
Pouco tempo depois, partiu para o Rio de Janeiro, e, em terras cariocas, trabalhou por um tempo como tradutor e redator publicitário. Em 1967, voltou a Porto Alegre e passou a atuar como revisor em Zero Hora, onde, dois anos mais tarde, em 19 de abril de 1969, conquistaria a sua própria coluna diária, ocupando a vaga de Sérgio Jockyman (1930-2011) no espaço publicado na seção Informe Especial.
— Não é que eu não tivesse planos (para a vida). Tive vários, só que nenhum deles havia dado certo (risos). O primeiro deles era ser aviador, quando era garoto. Depois arquiteto. Mas não quis continuar a estudar. Só quando comecei no jornal foi que descobri a minha vocação. Quando me deram um espaço para escrever – revelou em entrevista a Zero Hora em 2016.
Seu texto inaugural, chamado Entrando em Campo, foi justamente sobre uma de suas paixões, o Internacional, que dias antes havia inaugurado o Estádio Beira-Rio e, no dia seguinte, receberia o Grêmio para um amistoso na casa nova.
No ano seguinte, 1970, Verissimo se mudou para o jornal Folha da Manhã, onde manteve sua coluna diária até 1975, quando retornou definitivamente para Zero Hora e passou também a contribuir com o Jornal do Brasil.
Entre 1982 e 1989, foi redator semanal da revista Veja, produzindo artigos bem-humorados e que marcaram a carreira do escritor. Em 1995, entrou para o grupo musical Jazz 6 como saxofonista, lançando álbuns e realizando turnês pelo Brasil. Em 1999, assinou a sua primeira coluna para o jornal O Globo.
Em novembro de 2012, foi internado no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, após agravamento de uma gripe do tipo influenza A. Passou 23 dias sob cuidados, a metade deles na UTI. Recebeu alta em 14 de dezembro e, no dia 3 de janeiro do ano seguinte, escrevia sua primeira coluna para o jornal O Estado de S. Paulo.
Mais de 60 livros publicados
Luis Fernando Verissimo é autor de mais de 60 livros, que já venderam milhões de exemplares, com destaque para os best-sellers O Analista de Bagé e A Comédia da Vida Privada. O escritor foi responsável por criar personagens emblemáticos, como a Velhinha de Taubaté e o detetive Ed Mort.
Nas artes gráficas, foram marcantes as charges da Família Brasil e as tiras As Cobras. Sobre essa vertente de sua produção, declarou em 2015:
— Há uma diferença entre a charge e o cartum. A charge sempre tem a ver com a realidade, enquanto o cartum é mais atemporal. Não sei bem se o que eu faço é definível como charge, mas com certeza não é cartum porque é atemporal. Não sei classificar muito bem. Talvez seja mais um "cartum atual".
Carreira como escritor
Verissimo começou a publicar livros depois de ter passado por várias escolas de arte e desenho (sem concluir os cursos), tentado o comércio e também atuado como jornalista em Zero Hora.
— Comecei a trabalhar na Zero Hora, era no Centro, na Sete de Setembro, no início de 1967. Fazia literalmente de tudo. Até horóscopo. Fazia também a seção Programinha, sobre os bares. Às vezes inventava um bar — contou, em 2019, durante entrevista a Zero Hora.
Foi no ano de 1973 que publicou O Popular, coletânea que reunia seus principais trabalhos já realizados. A Grande Mulher Nua chegou às livrarias em 1975 e, quatro anos depois, lançou Ed Mort e Outras Histórias, livro de crônicas que agradou leitores e a crítica, além de popularizar o personagem que dá título à obra.
No começo dos anos 1980, foi viver em Nova York e lá escreveu Traçando Nova Iorque — depois, publicou outros livros de viagem com o ilustrador Joaquim da Fonseca. O Analista de Bagé, um de seus grandes sucessos, foi lançado na Feira do Livro de Porto Alegre de 1981.
Entrando na década seguinte, mais precisamente em 1994, Verissimo lançou Comédias da Vida Privada, coletânea de crônicas que, depois, foi adaptada para uma minissérie de sucesso da TV Globo, criada por Guel Arraes e Jorge Furtado e com Marco Nanini encabeçando grande elenco.
Em 1996, foi o primeiro humorista a conquistar o prêmio Juca Pato, escolhido por unanimidade como o Intelectual do Ano pela União Brasileira de Escritores (UBE). A distinção foi oferecida ao escritor pela obra Novas Comédias da Vida Privada, lançada um ano antes. Entre diversos prêmios e homenagens, em 2003, a New York Public Library elegeu seu livro O Clube dos Anjos um dos 25 melhores do ano.
Verissimo também foi homenageado com documentários lançados nos últimos anos. Produzido ao longo de uma década, Luis Fernando Verissimo — O Filme (2023), de Luzimar Stricher, traz depoimentos do escritor, de familiares e de amigos. Já Verissimo (2024), de Angelo Defanti, acompanhou o autor durante 15 dias em 2016, quando completou 80 anos.
Desde 1999, sua obra é publicada pelo selo Objetiva do Grupo Companhia das Letras. Em 2020, chegou ao mercado Verissimo Antológico — Meio Século de Crônicas, ou Coisa Parecida, volume com mais de 700 páginas que reúne parte significativa de seus textos, publicados originalmente em jornais e outros livros.