
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux divergiu do relator Alexandre de Moraes e votou, nesta quarta-feira (10), pela absolvição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de todas as acusações no processo que apura a tentativa de golpe de Estado.
O ministro também absolveu os réus Almir Garnier, Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno, Anderson Torres e Alexandre Ramagem de todos os delitos.
Por outro lado, responsabilizou o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, e o general Braga Netto por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Fux foi o terceiro ministro da Primeira Turma a votar no julgamento sobre a tentativa de golpe de Estado, envolvendo o ex-presidente e os outros sete réus. O magistrado se manifestou por mais de 13 horas.
Ao individualizar a conduta dos réus, Fux afirmou que as ações de Bolsonaro durante o mandato não configuram tentativa de golpe de Estado, prevista no artigo 359-M do Código Penal.
“Pois este, ao criminalizar a tentativa violenta de depor o governo legitimamente constituído, pressupõe a prática de conduta tentante do cargo ocupado. E era ele o mandatário do cargo ocupado”, disse.
O ministro também afastou a acusação de que os discursos do ex-presidente teriam insuflado os atos de 8 de janeiro.
“Além de faltar o dolo, falta também o indispensável nexo de causalidade entre as condutas praticadas no curso do mandato do réu e os eventos do 8 de janeiro de 2023. Não se pode imputar ao réu a responsabilidade dos crimes cometidos nos 8 de janeiro de 2023”, afirmou.
Sobre a minuta golpista que previa a prisão de autoridades, Fux disse que não há provas de que Bolsonaro tenha participado da elaboração do documento.
“Há diversas inconsistências [...] Se a versão da minuta que previa prisão de autoridades e novas eleições foi entregue a Jair Bolsonaro apenas em 6 de dezembro de 2022 como poderia ter sido discutida com Baptista Júnior em novembro? A contradição é absolutamente patente”, declarou.
Fux também afastou o envolvimento de Bolsonaro em outros episódios investigados, como os planos “Punhal Verde e Amarelo” e “Copa 2022”.
“Não há nenhuma prova que denote a ciência ou ação do réu Jair Bolsonaro sobre o plano Copa 22 e Punhal Verde e Amarelo”, afirmou.
Mauro Cid
O ministro adotou posição distinta em relação a Mauro Cid. Embora tenha afastado a acusação de organização criminosa armada, por entender que não há provas de que ele se uniu a mais de quatro pessoas para prática duradoura de crimes, Fux responsabilizou o ex-ajudante de ordens por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.“Os fundamentos que me levam a essa conclusão são os seguintes: ao trocar mensagem em seu celular com Rafael Oliveira, o réu colaborador conversa sobre financiamento de manifestações para iniciar ou incentivar atos para abolir violentamente o Estado Democrático de Direito”, disse.
Fux também destacou a reunião ocorrida em novembro de 2022 na casa do ex-ministro Braga Netto.
“A reunião ocorrida na casa do réu Braga Netto e que contou com a participação do colaborador serviu para o ajuste do planejamento operacional para atuação dos denominados kids pretos com forte finalidade antidemocrática”, afirmou.
Apesar disso, o ministro rejeitou as acusações de dano qualificado e de deterioração de patrimônio tombado.
“Cid não pode ser responsabilizado criminalmente pelos crimes de dano qualificado e dano a bem tombado. Não há quaisquer provas nos autos de que o réu Mauro César Barbosa Cid tenha determinado a destruição dos bens”, afirmou.
Almir Garnier
Em relação ao ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, Fux votou pela absolvição de todas as acusações.Segundo o ministro, a oferta de colocar tropas à disposição de Bolsonaro não configura tentativa de golpe.
“A obtenção dos meios para a futura prática de um crime, a observação do local do crime ou o angariamento de cúmplices consistem em meros atos preparatórios, portanto, impuníveis”, disse.
Braga Netto
Fux votou pela condenação de Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, pelo crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Com a manifestação do ministro, formou-se a maioria para condenar o general pelo crime, com o placar de 3 a 0.
O magistrado apontou a participação de Braga Netto em um suposto plano para assassinar o ministro Alexandre de Moraes.
“No meu modo de ver, de acordo com as premissas teóricas e depoimentos que citei, o réu Braga Netto, com unidade de desígnios com Rafael Martins de Oliveira e Mauro Cid, planejou e financiou o início da execução de atos destinados a ceifar a vida do relator, ministro Alexandre de Moraes”, afirmou.
Para Fux, o crime não se consumou devido a circunstâncias alheias à vontade dos envolvidos.
“Sendo que o intuito criminoso não foi alcançado pela eventualidade de ter sido abruptamente suspensa uma sessão do plenário desta Corte. A morte violenta de um integrante da Suprema Corte seria episódio traumático para a estabilidade política do país, gerando intensa comoção social e colocando em risco a separação dos Poderes”, disse.
Paulo Sérgio Nogueira
Fux absolveu o ex-ministro da Defesa de todos os crimes. Ao analisar sua conduta, o ministro destacou que, embora Nogueira tenha demonstrado entusiasmo em apoiar uma eventual tentativa de golpe, não houve correspondência em atos concretos.“No caso, a atuação atribuída ao réu Paulo Sérgio somente seria punível se ele tivesse tomado parte no início da execução dos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. E ainda mais se o réu houvesse prestado algum auxílio material para execução dos delitos”, afirmou.
Fux ressaltou ainda que não existe prova de que o general tenha atuado em favor de um golpe.
“Constato a ausência de qualquer prova no sentido que o réu Paulo Sérgio agiu apoiar ou participar da prática de golpe de Estado ou abolição do Estado Democrático de Direito. As testemunhas ouvidas atestaram exatamente o contrário. Ou seja, que o réu não apoiou qualquer ideia de ruptura institucional”, disse.
Augusto Heleno
O ministro também absolveu o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional de todos os delitos.Fux considerou que os discursos de Heleno contra o Supremo Tribunal Federal não configuram crime. Para ele, manifestações críticas não podem ser interpretadas como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
O ministro também afastou a possibilidade de criminalização de rascunhos encontrados em uma agenda de Heleno com anotações críticas ao sistema eleitoral.
“Evidentemente, a cogitação, mesmo quando documentada por um rascunho, é impunível”, disse.
Anderson Torres
Em relação ao ex-ministro da Justiça Anderson Torres, Fux votou pela absolvição total.
O ministro afastou a possibilidade de responsabilizá-lo pelos crimes de organização criminosa e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
“Os fundamentos que levam até essa conclusão são os seguintes: a despeito de o réu ter participado de reunião com militares, não há qualquer documento, imagem ou vídeo que comprove que o réu determinou a abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, disse.
Fux também afastou a responsabilidade de Torres pelos atos de 8 de Janeiro. Embora estivesse de férias com a família nos Estados Unidos, o então secretário de Segurança do Distrito Federal se comunicou com subordinados antes e depois da invasão às sedes dos Três Poderes para tentar conter os ataques.
O ministro ainda argumentou que a segurança de Brasília era atribuição da Polícia Militar do Distrito Federal, e não do Ministério da Justiça.
“Não há nos autos qualquer indicação de que uma medida concreta de Anderson Torres pudesse ter impedido o resultado do 8 de janeiro”, afirmou.
O magistrado acatou a tese da defesa de que Torres não havia abandonado o cargo de secretário de Segurança Pública do Distrito Federal antes dos atos e que a viagem ao exterior foi planejada com antecedência.
“Não houve omissão planejada. Muito embora se encontrasse fora do país com a família para iniciar suas férias, o réu provou nos autos que se comunicou com as autoridades locais no dia, e pouco antes, que os danos ocorreram para procurar evitar a ampliação do problema”, disse Fux.
Alexandre Ramagem
O deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) foi alvo do voto de absolvição de Luiz Fux em todos os crimes analisados.O ministro votou pela absolvição de Ramagem pelos crimes de organização criminosa, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Fux não analisou as acusações de dano qualificado ao patrimônio da União e de dano ao patrimônio tombado, porque a ação penal relacionada a esses crimes está suspensa em razão de resolução da Câmara dos Deputados.
Julgamento
Com o voto de Fux, o STF tem o placar de 2 a 1 para condenar Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado.O julgamento começou na semana passada e seguirá até sexta-feira (12), quando a Primeira Turma anunciará o resultado e haverá a discussão sobre a dosimetria das penas, ou seja, o tempo de punição de cada réu em casos de condenação.
A decisão do colegiado será definida pela maioria, alcançada com três dos cinco votos. Após Fux, votam os ministros Cármen Lúcia e Cristiano Zanin na quinta-feira (11).
O relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, foi o primeiro a votar. Na manhã de terça-feira (9), manifestou-se pela condenação de todos os réus.
Já na tarde de terça (9) o ministro Flávio Dino apresentou seu voto. Ele acompanhou Moraes e votou pela condenação dos oito réus, mas apontou diferenças na gravidade das condutas entre eles, afirmando que “os níveis de culpabilidade são diferentes”.
Para o ministro, Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Alexandre Ramagem tiveram uma participação de menor importância na trama, algo que deve ser considerado na dosimetria das penas caso eles sejam condenados.