
Vem aí mais um “a seguir cenas dos próximos capítulos” na novela da anistia. Embora o texto definitivo que será votado pelo Congresso Nacional ainda não esteja nem definido, o presidente Lula já sinalizou que deverá vetar qualquer proposta que perdoe quem participou das manifestações do 8 de janeiro de 2023, que terminou com a invasão dos prédios do Congresso, STF e Palácio do Planalto por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Antes mesmo da aprovação da urgência para o projeto que trata da anistia, na noite desta quarta-feira (17), Lula disse, em entrevista à BBC News Brasil e à BBC News que “pode ficar certo que eu vetaria”, se referindo a inclusão da matéria na pauta da Câmara dos Deputados. Sem conseguir votos suficientes para barrar o avanço da proposta, que agora será relatada pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), Lula pode abrir nova crise entre os poderes, numa relação que tem se mostrado estremecida desde o embate recente sobre o IOF.
Embora o poder de veto seja uma prerrogativa de chefe de Estado ou de outro titular do poder executivo, como parte do sistema de pesos e contrapesos, e ocorra tanto por motivos jurídicos ou políticos, este instrumento nem sempre “cai bem” na relação entre o Congresso e o Planalto; e a decisão pode acabar caindo nas mãos do Supremo Tribunal Federal, em mais um embate à vista.
Foi o que ocorreu, por exemplo, no caso do Marco Temporal, aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, para definir a data da promulgação da Constituição de 1988 como limite para demarcação de terras indígenas, vetado por Lula. Com a derrubada posterior do veto pelo Congresso Nacional, coube ao STF dar a palavra final.
Anistia: governo precisará mudar estratégia junto ao Centrão, diz especialista
Na opinião do professor de Direito do IBMEC de Brasília, Tédney Moreira, se quiser mesmo impedir o avanço de uma proposta de anistia, Lula terá que fazer um reajuste das estratégias da base governista junto ao centrão, que articulou, junto com partidos de oposição, a anistia. “A escolha de um relator aparentemente aberto ao diálogo é uma tentativa de dar seguimento à proposta de anistia que, para ser aceita, deve vir não com o perdão total aos condenados, mas com a proposta de uma redução de pena”, avalia o especialista.
Apesar da sinalização de Hugo Motta (Republicanos-PB) ao pautar a urgência de um tema que é considerado prioritário para a direita, o especialista acredita que o texto não deverá agradar “a nenhum dos lados”, já que um destes não quer a anistia de forma alguma e o outro deseja a anistia de forma ampla, geral e irrestrita.
Sóstenes Cavalcante agradeceu apoio para a aprovação da urgência da anistia – Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
“É provável que o Governo mantenha a orientação inicial [de veto à anistia], mas busque refrear uma eventual derrubada do veto no futuro e, até mesmo, uma reação às demais pautas de interesse do Executivo. Sem a mobilização social, o jogo político ainda continua indefinido quanto à matéria, sem ignorar que a medida pode também ser submetida à apreciação do Poder Judiciário”, completa o professor do IBMEC.
Anistia: Supremo já deu sinais contra anistia, especialmente se beneficiar Bolsonaro
Enquanto os deputados aguardam o que vai sair do relatório do deputado Paulinho da Força, escolhido pelo presidente Hugo Motta, e que já avisou que o texto deverá ser um “meio termo”, com a redução de penas para os manifestantes do 8 de janeiro, ministros do STF já se posicionaram claramente contra a anistia.
Durante o julgamento que condenou Jair Bolsonaro e sete aliados por tentativa de golpe de Estado, Alexandre de Moraes, relator da ação penal 2668, afirmou que ataques contra a ordem constitucional não podem ser tratados como delitos comuns, porque a Constituição deve se proteger de agressões contra ela mesma.
Moraes, inclusive, reagiu a notícias veiculadas pela imprensa de que o STF estaria costurando um texto mais brando sobre a anistia, com participação do Congresso e Executivo. Em nota à imprensa, Moraes negou qualquer tipo de acordo prévio sobre anistia relacionada aos processos do 8 de janeiro. O magistrado classificou como “fantasiosa” a possibilidade de um acordo e enfatizou que o STF não faz acordos prévios.
Ainda no julgamento, o ministro Flávio Dino afirmou que o plenário do Supremo já decidiu que os crimes contra a democracia não podem ser alcançados por perdões. “Esses crimes já foram declarados pelo plenário do Supremo Tribunal Federal como insuscetíveis de indulto e anistia”, disse Dino.
Por tudo isso, é improvável que o STF aceite a anistia, mesmo que o projeto seja aprovado, Lula vete, o Congresso derrube o veto e o tema chegue aos ministros. Isso dificilmente acontecerá nos moldes desejados pela oposição e, menos ainda, para favorecer condenados, como o ex-presidente Bolsonaro.