
O relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que reorganiza o sistema de segurança no Brasil, deputado federal Mendonça Filho (União-PE), apresentou nesta terça-feira (9) uma nova versão do texto. O projeto inclui medidas polêmicas, como a realização de um referendo sobre a redução da maioridade penal e mais protagonismo dos Estados.
Entre as medidas previstas, também estão o fim da progressão de regime penal para crimes graves e a ampliação de atribuições da Polícia Federal.
Veja, mais abaixo, alguns dos principais pontos do parecer
O relatório foi discutido com líderes partidários e com o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e deverá ser analisado pela comissão especial da chamada PEC da Segurança nesta quarta (10).
A expectativa é de que a matéria possa ir a plenário na próxima semana.
Maioridade penal
Durante a reunião desta terça, Mendonça Filho revelou que vai propor a realização de um referendo em 2028 para que a população se manifeste sobre uma eventual redução da maioridade penal dos atuais 18 para 16 anos nos casos em que adolescentes estejam envolvidos com facções ou pratiquem "crimes violentos".— Não marcamos para 2026 para não tumultuar o ano eleitoral. Queremos avaliar com a sociedade e o parlamento para ver se há maturidade ou não — declarou Mendonça, conforme a Agência Câmara de Notícias.
O relator não esclareceu o uso do termo "referendo" — já que costuma ser usado quando se consulta a população sobre temas já aprovados. Segundo a assessoria do deputado, a iniciativa ainda seria discutida com os líderes para definir se será mantida no relatório final a ser lido na Comissão Especial.
A medida é controversa. Embora conte com apoio entre setores à direita, como o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, encontra resistência entre especialistas em segurança pública e alas governistas. Uma das críticas à proposta é de que seria inconstitucional.
— A imputabilidade penal, abaixo dos 18 anos, é vedada pela Constituição Federal. É uma cláusula pétrea, no artigo 6º. A Ordem dos Advogados do Brasil e o Ministério Público já opinaram sobre o assunto em outros tempos e entendem que não é passível sequer de emenda à Constituição a alteração de uma cláusula pétrea, porque é um mecanismo de proteção do próprio Estado de Direito — afirma o advogado e associado sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) Eduardo Pazinato, acrescentando que também considera a mudança ineficaz como política pública.
Professor da Escola de Direito da PUCRS e membro do FBSP, Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo entende que outras medidas poderiam ter melhor impacto na relação entre juventude e criminalidade.
— Até se poderia, como vem sendo debatido já no Congresso, talvez aumentar o tempo de internação para determinados perfis ligados a facções e a crimes violentos, o que eu acho que seria uma solução talvez mais adequada — opina Azevedo.
Na semana passada, Tarcísio de Freitas havia defendido o endurecimento da legislação em audiência no Congresso.
— Será que aquele menor de 16 anos, 17 anos, não tem consciência do que está fazendo? Se a gente não baixar a maioridade, pelo menos pensemos no aumento do tempo de detenção para determinado tipo de crime — argumentou o governador de São Paulo.
Parecer dá mais autonomia aos Estados
O texto da PEC também prevê a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), mas com menos protagonismo do governo federal e mais autonomia dos Estados.
A redação original, de autoria do Executivo, conferia ao Planalto a competência de "coordenar" o sistema de segurança e defesa social e o sistema penitenciário. O termo "coordenação" foi eliminado em favor de um conceito que prevê apenas a integração entre os diferentes níveis de poder. O governo federal argumenta que a intenção não era "centralizar", mas padronizar ações e procedimentos.
Advogado especialista em segurança pública e sócio do escritório RCA Advogados, Berlinque Cantelmo considera positiva a formalização do sistema nacional, mas avalia que o ideal seria uma coordenação "colegiada" com participação do governo federal, dos Estados e da sociedade civil, por meio de entidades como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil.
Outros pontos do relatório despertam preocupação em Cantelmo por envolverem questões que, segundo ele, não deveriam ser tema de legislação constitucional, mas ordinária. Isso inclui a possibilidade de que presos por crimes graves não sejam beneficiados por progressão de regime, e que policiais militares enviem registros de ocorrência diretamente à Justiça.
— Não vejo como algo positivo porque a natureza da reprimenda vem no Código Penal e na Lei de Execuções Penais, isso não é matéria constitucional. Para mim, não tem como trazer isso para uma PEC, que deve tratar de questões macro, não de questões pontuais — analisa o advogado.
A nova versão da proposta também amplia o campo de ação da Polícia Federal (PF) para investigar crimes contra o meio ambiente e aqueles praticados por "milícias privadas" e "organizações criminosas". Em relação à Polícia Rodoviária Federal (PRF), o relatório mantém a prerrogativa da instituição de patrulhar ferrovias e hidrovias, além das rodovias. Esses pontos foram mantidos do relatório original, elaborado pelo Ministério da Justiça e enviado ao Congresso pelo governo Lula ainda em abril.
O que a PEC propõe:
Possibilidade de progressão zero
O relatório estabelece que presos por certos crimes de alta gravidade, como líderes de facções, não tenham direito ao benefício de progressão de regime, que permite deixar a prisão antes do cumprimento integral da pena. Essa é uma questão polêmica porque o Supremo Tribunal Federal (STF) já manifestou posição de que proibir a progressão, mesmo em caso de crimes hediondos, seria inconstitucional.
Registro de ocorrências
Prevê a possibilidade de policiais militares registrarem termos circunstanciados de forma eletrônica e remeterem diretamente ao Judiciário, sem precisar se deslocar a uma delegacia. A intenção do relator é evitar que as forças de segurança percam tempo se deslocando até uma unidade da Polícia Civil.Papel da PF
Pela proposta do relator, a Polícia Federal, além de atuar contra crime organizado e milícias, vai atuar também contra crimes ambientais. O dispositivo mantém a proposta original encaminhada pelo Executivo.Papel da PRF
O parecer amplia a atuação da Polícia Rodoviária Federal, que passa a ficar habilitada a operar em ferrovias e hidrovias, além de rodovias.Polícia Municipal Comunitária
Cria a Polícia Municipal Comunitária, "com foco na proteção comunitária e regras específicas, e regras de transição para os guardas municipais se tornarem policiais", segundo a Agência Câmara.
— Este é um debate que está posto, precisamos amadurecer o tema — declarou o deputado.
Sistema de Políticas Penais
Cria o Sistema de Políticas Penais para definir regime disciplinar interno, aplicar sanções, regulamentar visitas, entre outras medidas. A proposta ainda aumenta a competência da Polícia Penal para atuar como polícia administrativa, controlar apenados e gerir o sistema prisional.
Compartilhamento de dados e expropriação de bens
O texto estabelece o "compartilhamento de dados contra crime organizado e de medidas cautelares para expropriação patrimonial de pessoas jurídicas que se envolvam com facções lesivas e perigosas", conforme a Agência Câmara.
Financiamento da segurança
Prevê a "ampliação de fontes de financiamento de políticas públicas de combate ao crime organizado, com distribuição de recursos para Estados e municípios". Também mantém a constitucionalização prevista no texto original do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), proibindo contingenciamento dos recursos.

