A cada hora nos últimos oito anos, em média, 5.144 caixas de remédios de tarja preta usados para o controle da ansiedade saíram das farmácias e drogarias brasileiras — cerca de 123,5 mil caixas por dia.
Informações do SNGPC (Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados), da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), mostram que entre 1º de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2021 o Brasil comprou 345,5 mil caixas de cinco dos ansiolíticos (benzodiazepínicos) mais vendidos: alprazolam (Frontal), bromazepam (Lexotan), clonazepam (Rivotril), diazepam (Valium) e lorazepam (Lorax).
No ano passado, os dados da Anvisa mostram vendas de 38,1 milhões de caixas. Entretanto, os relatórios de outubro, novembro e dezembro estão incompletos, o que não permite uma análise fiel de 2021 até o momento.
Em janeiro de 2019, um trabalho feito pela OMS (Organização Mundial da Saúde) mostrou o Brasil como o país com maior número de pessoas ansiosas em todo o planeta: 18,6 milhões (9,3% da população).
Porém, para o psiquiatra Guido Boabaid May, do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, é possível muitos brasileiros que usam esses fármacos não precisam deles ou estejam consumindo da forma errada.
"Via de regra, esses medicamentos devem ser de curto prazo, por 12 semanas. Às vezes a gente precisa usar por mais tempo. Mas o mais importante é que eles sejam utilizados como parte de uma estratégia de tratamento – e não é o que acontece na maioria das vezes. É como se a pessoa ficasse tomando Tylenol [paracetamol] o tempo todo para amidalite sem tomar antibiótico. Eles são para tratar sintoma, mas na grande maioria das vezes não vão atacar a causa."
Transtornos de ansiedade e síndrome do pânico, por exemplo, são tratados com o uso de antidepressivos, que atuam na regulação de neurotransmissores. Os benzodiazepínicos entram, geralmente, no início, para uso específico em situações de crise.
O clonazepam, cujo nome comercial é Rivotril, representa 47% do consumo total dos cinco benzodiazepínicos.
"O que a gente sempre quer é o máximo efeito ansiolítico possível e o menor efeito sedativo possível. Como o Rivotril tem uma meia vida intermediária, ele não tem um potencial tão grande de criar dependência quanto os de meia vida curta, como o lorazepam; ele não seda tanto como os de meia vida longa, como o diazepam."
O que são os benzodiazepínicos
Nos anos seguintes, mais de uma dezena de medicamentos dessa classe foram desenvolvidos. Eles foram se popularizando e ocupando o espaço dos barbitúricos, que tinham pouca margem de segurança e eram responsáveis por mortes acidentais e overdoses, inclusive de famosos, como a atriz Marilyn Monroe.
O GABA é responsável por reduzir a atividade de áreas do cérebro que são responsáveis por raciocínio, memória, emoções e funções essenciais, como a respiração e a frequência cardíaca.
"Eles são medicamentos muito eficazes para diminuir sintomas de ansiedade rapidamente. São úteis não somente para ansiedade, mas também são utilizados em tratamentos para depressão, junto com antidepressivos, são utilizados em tratamento de transtorno bipolar, epilepsia, para alguns tipos de surtos psicóticos, sempre em associação com outros remédios", explica May.
A tarja preta na embalagem destes medicamentos já alerta sobre o risco de eles causarem dependência. No Brasil, os benzodiazepínicos somente podem ser vendidos com uma receita especial do tipo B (azul).
"[Não devem fazer uso] pessoas que têm histórico de abuso de substâncias, dependentes químicos, com comportamentos compulsivos ou autodestrutivos, com transtorno de personalidade, personalidade adicta. Elas tendem ao abuso, tolerância e dependência."