A Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta quarta-feira (3), o PDL (projeto de decreto legislativo) que derruba as mudanças feitas pelo governo federal no Marco do Saneamento, aplicando a primeira derrota do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Casa.
O PDL foi aprovado por 295 a 136 votos. Antes de ser votado, a federação PT-PC do B-PV tentou adiar a apreciação do texto por uma sessão — mas não teve sucesso. Agora, o Senado precisará se posicionar sobre o tema para que os decretos deixem de valer. Com isso, aumentam as chances de mudanças no marco serem feitas via projeto de lei.
Essa votação ocorre em meio à dificuldade do governo em consolidar uma base de apoio na Câmara. O Executivo já havia demonstrado fraqueza na articulação política no adiamento da votação do PL das Fake News, na terça (2), e ao não conseguir barrar a instalação da CPI do 8 de janeiro no Congresso.
Nas redes sociais, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que a votação mostra que é preciso "fazer um freio de arrumação dentro do governo".— Os líderes que encaminharam contra o governo vão ter que decidir se são ou não governo. Vida que segue — afirmou.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), incluiu a matéria na pauta da Casa nesta tarde. Como reação, membros do Executivo entraram em campo para tentar evitar que o PDL fosse apreciado na Casa e, apesar de manifestações públicas em plenário, o deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), que preside a sessão, afirmou que tinha o aval de Lira para apreciar a matéria.
Num primeiro momento, foi votada e aprovada a urgência do PDL (por 322 a 136 votos). Após a aprovação da urgência, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou, em tom de ameaça, que esse resultado "nos leva a refletir sobre as relações aqui dentro".
— Acho que isso fica como lição para todos aqui dentro. É um recado? Evidente que é. Por várias razões. Eu sei o que está por trás disso. Essa decisão, que as maiorias dos líderes que participam do governo estão encaminhando contra o governo, fica registrado aqui — disse.Líder da oposição, o deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ) afirmou na sessão que o governo viu que a sua base "derreteu".
— É uma base frágil. Ontem nós já tínhamos visto isso. Hoje estamos fazendo justiça ao Parlamento que aprovou um dos maiores marcos legais da história — disse.Lira chegou a pautar os PDLs na semana passada, mas os retirou da ordem do dia após conversar com o ministro da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Alexandre Padilha, e combinar uma conversa entre os ministros da Casa Civil, Rui Costa (PT), e das Cidades, Jader Filho (MDB) e os deputados Fernando Marangoni (União Brasil-SP) e Fernando Monteiro (PP-P), autores do PDL.
A reunião aconteceu na semana passada, mas não demoveu os parlamentares. As equipes técnicas das pastas e dos deputados se reuniram também, mas não houve consenso.A reportagem apurou que as reuniões foram mais uma prova de disposição da Câmara em negociar do que uma real possibilidade do governo federal mudar o decreto. Isso porque não havia disposição real do Executivo em alterar o texto na visão de parlamentares.
Dois pontos principais incomodam a Câmara. O primeiro estendeu o prazo para que empresas estaduais de saneamento apresentassem garantias de capacidade técnica e financeira para realizar investimentos.O segundo permite a prestação direta de serviços por estatais estaduais em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões (subdivisão da área do estado).
Esse ponto é de interesse do ministro Rui Costa porque a Empresa Baiana de Águas e Serviços (Embasa) é beneficiada pela mudança. A companhia fornece o saneamento básico de Salvador (BA) com um contrato vencido.O novo marco previa uma nova licitação, na qual a estatal deveria concorrer com o setor privado para manter a prestação do serviço nesses casos.
Com o decreto, a empresa pode renovar o contrato sem nova licitação. Rui Costa governou a Bahia até o ano passado e emplacou seu sucessor, o governador Jerônimo Rodrigues (PT).
A mudança via decreto não agradou inclusive o líder do PT na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE), que disse à reportagem preferir alterações através de um PL.Com uma derrota provável na Câmara, resta ao governo tentar impedir a derrubada dos decretos no Senado. Caso isso não seja possível, um novo PL deverá ser apresentado por um parlamentar na Câmara para discutir o assunto.