TRISTE ESTATÍSTICA - 22/05/2023 06:50

Acidente de trânsito é a principal causa de morte de crianças e jovens em SC

Especialistas alertam sobre estilo de vida de jovens e necessidade de políticas de educação
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Repeordução / NSC

Michelle Bindemann, de 40 anos, diz sobreviver dividida entre o céu e a terra desde o fim de 2021, quando, na manhã de um domingo, ocasião em que a família viajava empolgada para o aniversário de 70 anos da avó, um acidente de trânsito tirou a vida de sua filha, Alícia, de apenas cinco anos.

O carro da família foi atingido na BR-280 em Rio Negrinho, no Norte de Santa Catarina, por outro que vinha na direção contrária, conduzido por um motorista alcoolizado. Além da menina, um passageiro do outro veículo, Fernando Martins de Albuquerque, de 34 anos, também morreu, dias depois.

— Eu passei o primeiro ano sem ela desejando morrer todos os dias. Nesses últimos seis meses, parei de desejar morrer pelo meu filho que ficou [de quatro anos]. Ele sente muita falta da irmã e não pode perder a mãe também. Domingo [14], no Dia das Mães, fui ao cemitério, e ele olhou as flores no túmulo e gritou: "Volta, Alícia, eu estou com muita saudade de você!". Tomo vários remédios psiquiátricos, faço terapia semanalmente, para conseguir cuidar do meu filho, trabalhar e seguir sobrevivendo — diz Michelle.

Adeus precoce no trânsito

Acidentes como o que dividiu a vida dela têm protagonizado um menor número de mortes em Santa Catarina ao longo dos últimos anos, mas, ainda assim, seguem em patamar alarmante para os mais jovens, com idades entre a de Alícia e também a de Fernando: são a principal causa de óbitos precoces, de quem sequer chegou à metade da expectativa de vida para o Estado.

De 2014, quando foi criada a campanha do Maio Amarelo, de conscientização para a segurança no trânsito, até o ano passado, cerca de uma em cada cinco mortes de pessoas com idades entre um e 39 anos foi motivada por acidentes — a expectativa de vida para nascidos em 2023 é de quase 81 anos para Santa Catarina, a maior do país, segundo estima o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Houve um total de 35.270 mortes no período no Estado, das quais 7.469 foram causadas por acidentes de trânsito, muito mais do que óbitos por homicídios (5.269), por exemplo. Os dados foram levantados pelo NSC Total junto à Diretoria de Vigilância Epidemiológica catarinense (Dive-SC).

Até entre pessoas um pouco mais velhas, com idades entre 40 e 49 anos, os acidentes se mostraram como a principal causa de óbitos no período, com outras condições médicas, como cânceres e infarto, se tornando motivos prevalentes para um adeus só a partir dos 50 anos de idade.

Causas e soluções

Especialistas em segurança no trânsito afirmam que o peso dos acidentes na perda de vidas jovens se deve ao estilo de vida de pessoas com esse perfil e de sua maior exposição a riscos.

— Os jovens dirigem de forma mais imprudente, seja por pouca experiência ou pela impetuosidade típica da idade. Eles também estão na fase mais produtiva do ponto de vista físico, então são colocados em tarefas mais desgastantes, como dirigir em trânsito pesado, dirigir motos em tele-entrega. Também tem o estilo de vida ao qual o jovem está associado, como dirigir alcoolizado, em excesso de velocidade. Jovens utilizam mais o celular na direção, não só na vida geral. Então, esses todos são fatores de risco — diz o inspetor Adriano Fiamoncini, porta-voz da Polícia Rodoviária Federal em Santa Catarina (PRF-SC).

As professoras Tércia da Cruz, do Instituto de Certificação e Estudos de Trânsito e Transporte (Icetran), e Márcia Pontes, especialista em gestão de trânsito, afirmam haver também um fator de gênero entre as causas das mortes precoces: a maioria das vítimas é de homens, que tentam reafirmar a própria masculinidade com comportamentos arriscados. Elas dizem ainda que as soluções ao fenômeno passariam por educação, promoção de políticas públicas e maior rigor na fiscalização.

— O garoto de 14, 15 anos que empina uma bicicleta, ele já sonha em empinar uma moto. Ele vai aprender a andar de moto mesmo sem entrar na autoescola. Então, o jovem arrisca mais, acha que precisa se destacar no grupo, tem o comportamento de contestação e risco. Não existe solução fácil para problema difícil. A gente precisaria de um trabalho desde a escolinha com temas transversais envolvendo o trânsito, fazer um trabalho de alerta e de conscientização — afirma Pontes.

— Mesmo não sendo as ideais, se as leis atuais fossem aplicadas, já seria um grande fator inibidor de infrações e, consequentemente, de acidentes de trânsito. É comum ouvir sobre condutores que ainda estão respondendo a processos administrativos de suspensão do direito de dirigir muitos anos após terem cometidos as infrações — exemplifica a professora do Icetran.

Em Santa Catarina, há desde 2021 uma Comissão Estadual Intersetorial de Prevenção de Acidentes e Segurança no Trânsito, com diferentes órgãos públicos. Entre outras coisas, o grupo sistematiza informações sobre acidentes de trânsito, estimula a ampliação do Programa Vida no Trânsito para municípios prioritários e monitora resultados das ações implementadas.

Justiça no trânsito

Michelle, mãe da menina de cinco anos morta em Rio Negrinho, iniciou um projeto desde a partida da filha, "Por você, Alícia", para honrar a memória dela e promover a segurança no trânsito.

Desde então, conseguiu levantar recursos para doar materiais escolares e chuteiras de futsal para crianças carentes e para instalar outdoors educativos: agora no Maio Amarelo, foram colocados nove deles, espalhados por Araquari, São Bento do Sul e Joinville, no Norte catarinense, onde a família vive.

Ela também diz esperar que atitudes imprudentes mobilizem condenações exemplares na Justiça, a fim de evitar que outras famílias tenham a vida dividida pela perda precoce de um ente próximo. No caso dela, a família ainda aguarda desfecho sobre eventual punição a Elias Mariozam Martendal, o motorista que dirigia alcoolizado na ocasião do acidente que matou sua filha.

O júri popular do autor teria início nesta quinta-feira (18), mas foi remarcado para 15 e 16 de junho. Ele responde no caso, sob segredo de Justiça, por dois homicídios, de Alícia e Fernando, e por seis lesões corporais, dos sobreviventes do ocorrido. A reportagem tentou contato com a defesa de Elias, mas ainda não obteve retorno até esta publicação.

— As pessoas não acreditam na justiça dos crimes de trânsito. Por isso, muitos continuam bebendo e dirigindo como se fosse algo normal. Mas é crime. Se beber, pega Uber, pega carona, larga o carro onde estiver e vá a pé. Não é apenas sobre sua vida, é sobre a vida de quem não tem nada a ver com sua decisão de beber e dirigir. No meu caso, foi sobre a vida de uma menina linda, cheia de vida, de apenas cinco aninhos — lamenta Michelle.

Fonte: NSC
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