As novas regras da eficiência energética de geladeiras e congeladores de uso doméstico mudarão parte do mercado brasileiro nos próximos anos. Desde segunda-feira (1º), o Ministério de Minas e Energia (MME) aplica normas do programa de metas de novos índices mínimos de consumo de energia elétrica para os dispositivos fabricados e importados no Brasil.
A resolução estipula que, a partir de 2028, os produtos que estarão disponíveis nas lojas sejam, em média, 17% mais eficientes do que os disponíveis hoje no mercado nacional. Os valores estimados têm como base refrigeradores de uma porta com 200 litros de volume interno.
A indústria afirma que a medida aumentará o preço dos produtos e poderá causar escassez dos modelos mais baratos. Governo federal e entidades alegam que a disparada no valor não ocorrerá e defendem a necessidade de o país melhorar a eficiência energética.
Impactos
O Ministério de Minas e Energia afirma que a norma não retirará nenhum equipamento de circulação até 2026. Segundo a pasta, dos 25 modelos de geladeiras de uma porta autorizados no país, 17 já respeitam os novos parâmetros; oito não poderão mais ser vendidos no país. O consumidor pode ver a lista no site do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).
Os brasileiros não precisarão comprar um novo produto para estar de acordo com a resolução, nem serão multados caso mantenham o uso de equipamentos com eficiência menor do que os estipulados pela norma. Na prática, o efeito tira alguns modelos disponíveis hoje para compra das lojas.
A medida, assim, gera obrigações apenas para fabricantes, importadores e comercializadores dos equipamentos. A indústria tem datas definidas para deixar de fabricar ou comercializar equipamentos que não atendam aos índices de eficiência energética exigidos no país.
Em nota à reportagem, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) informou que a substituição será escalada em duas etapas e terá como referência um padrão de consumo internacional; quanto mais alta a porcentagem, melhor:
- De 1º de janeiro de 2024 a 31 de dezembro de 2025: consumo máximo permitido de energia será de 85,5% em relação ao consumo padrão
- De 1º de janeiro de 2026 a 31 de dezembro de 2027: consumo máximo de 90% em relação ao padrão
A primeira etapa, portanto, não retirará equipamentos do mercado, pois a comercialização será permitida até dezembro de 2025. A segunda, implementada a partir de 2026, determina que poderão ser fabricados e comercializados equipamentos que atendam ao índice de 90% do consumo padrão.
Com a atualização da norma, os modelos deverão estar classificados nas futuras classes A, B e parte da C, previstas para entrarem em vigor em 2026.
Em busca da eficiência
A estimativa do governo federal é que, com a mudança na legislação, cerca de 5,7 milhões de toneladas de gás carbônico deixem de ser emitidas até 2030. É também projetada economia de energia elétrica de 11,2 Terawatthora (TWh) até 2030, o que equivalente aos consumos residenciais anuais de toda região norte do Brasil (11,5 TWh em 2022), ou do Estado de Minas Gerais (13,1 TWh em 2022).Para Ronaldo Guisso, professor do curso de Engenharia Elétrica da da Feevale, a busca por eficiência energética dos refrigeradores pode ser comparada ao observado no mercado automobilístico: veículos híbridos e elétricos têm se tornado, cada vez mais, opções aos “tradicionais” movidos a combustível.
— Um carro fabricado na década de 1970 fazia cinco quilômetros por litro de gasolina. Um veículo feito em 2024 faz 17 quilômetros por litro, por exemplo. É uma comparação válida para as geladeiras fabricadas na década de 1990 com as feitas hoje em dia. É uma busca da eficiência energética, para reduzir o consumo de energia elétrica — comenta.
Segundo o especialista, existem várias maneiras de o fabricante melhorar a eficiência dos equipamentos: melhoria do sistema de isolamento com o ambiente exterior, aumento da eficiência de componentes eletrônicos e da qualidade do retificador, que é o equipamento que converte a corrente alternada da rede elétrica para a corrente contínua.
Segundo Jonatan Silva, engenheiro de Eficiência Energética da CEEE Grupo Equatorial, a atualização das normas também visa alinhar o desempenho dos produtos com as informações das etiquetas de consumo encontradas nos refrigeradores.
— Víamos, por exemplo, uma geladeira na categoria A+ apresentando variações de eficiência entre 60% e 80%, o que representava uma diferença significativa. A nova regulamentação busca equalizar os equipamentos para se aproximarem mais do índice de eficiência — explica.
O engenheiro esclarece que melhorar a eficiência da geladeira significa "realizar a mesma tarefa utilizando o menor consumo de energia possível". Isso, segundo ele, é evidenciado no Projeto E+ Comunidade, que realiza a substituição de refrigeradores em famílias de baixa renda no Rio Grande do Sul.
— Em nossos cálculos, um consumo médio de 45 a 50 kWh/mês reduz para cerca de 20 kWh/mês. Com isso, conseguimos economizar aproximadamente 50% apenas com a substituição do equipamento. Esse resultado leva em consideração os equipamentos ineficientes, da época de nossos pais, que utilizavam uma tecnologia mais antiga — diz Jonatan Silva.
Preço das geladeiras causa discussão
As novas normas também fomentam um debate na indústria. Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), por conta da medida “é real a perspectiva de retirada gradativa de modelos do mercado, podendo chegar à proporção de 83% menos oferta de refrigeradores já em 2026”, segundo nota enviada à GZH. A entidade informou uma projeção de aumento no preço dos produtos de cerca de 23%.
— A demanda por essas geladeiras vai puxar o preço para cima. Por estarmos comprando um equipamento mais sofisticado, que economiza energia, vamos ter que necessariamente pagar mais caro — afirma Gustavo Inácio de Moraes, consultor de Economia da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul (FCDL-RS) e professor da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
O estudioso atenta para o fato de que a geladeira é um item básico para toda a população e tem peso significativo para a parcela com menos recursos. A mudança nas normas pode causar escassez de produtos para o grupo, ele diz:— As geladeiras mais baratas deixarão de estar no mercado. Isso obriga que as famílias mais pobres comprem equipamentos mais caros. Eventualmente, também dificulta o crediário, porque, em geral, os equipamentos eletrônicos de menor valor têm o parcelamento facilitado.
Priscila Arruda, engenheira ambiental e analista do programa de energia do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), contrapõe a expectativa de aumento no preço dos produtos.— Existem modelos disponíveis atualmente no mercado que já atendem aos novos requisitos. É uma evidência de que não necessariamente haverá aumento dos preços — comenta.
Priscila acrescenta que a atualização das regras representa um avanço e avalia que o país estava defasado em termos de eficiência energética em relação a outros países. A analista do Idec afirma que os modelos mais baratos têm, de forma geral, menor capacidade e consumo menos eficiente, o que tende a mudar por conta das novas determinações no país.— Até agora, os fabricantes escolheram melhorar a eficiência energética dos equipamentos maiores, que são mais caros. Agora eles devem investir em inovação tecnológica para que os produtos mais baratos sejam também modernizados e atendam aos critérios estabelecidos na nova norma — pontua.
Para Rodolfo Gomes, coordenador da Rede Kigali, que reúne organizações da sociedade civil pela eficiência energética dos aparelhos brasileiros, a norma beneficiará a população brasileira no longo prazo:— Nossos cálculos indicam que consumidor teria, em média, uma economia de R$ 800 ao longo de 10 anos com uma geladeira mais eficiente. Além disso, com o passar do tempo, esses equipamentos vão ficando cada vez mais baratos por ganho de escala e aprendizado tecnológico dos fabricantes. Esse tipo de política é comprovadamente eficaz.