As emergências dos hospitais do SUS (Sistema Único de Saúde) receberam uma média de 22 vítimas de sinistros de trânsito no Brasil nos últimos quatro anos. De 2019 a 2023, foram 792.203 atendimentos nas emergências, resultando em um gasto de R$ 1,2 bilhão e o total de 438 mil diárias de UTI (Unidades de Terapia Intensiva).
Os dados são do levantamento exclusivo feito pelo R7 via Lei de Acesso à Informação, com o Ministério da Saúde. Os impactos dos sinistros e a ocupação de leitos impedem a destinação de recursos e atendimento para outras unidades hospitalares.
Considerando o ano de 2019, a demanda por UTIs cresceu 22,35% até o ano passado. Nesse cenário, o Ministério da Saúde reconhece as lesões de trânsito como “um grave problema de saúde pública global, gerando elevada demanda por atendimentos e internações, especialmente em UTIs”.
“As ações do setor de saúde devem ser complementadas pela atuação de órgãos de trânsito, educação, planejamento urbano, entre outros. Para reduzir os impactos à vida e ao SUS. O Ministério da Saúde apoia ações intersetoriais entre governo e sociedade civil que priorizem a segurança viária, o transporte e trânsito seguros, a sinalização e a proteção das rodovias”, informou.
A pasta também pontuou que as iniciativas “envolvem a gestão eficiente de recursos, campanhas de conscientização, fortalecimento das UPAs 24 horas e dos hospitais de pequeno porte, além da inovação na gestão com tecnologias”.
“No âmbito da saúde, os desafios, que já vêm sendo trabalhados pelo Ministério da Saúde, juntamente com estados e municípios, envolvem a capacitação dos serviços da Rede de Atenção à Saúde, que inclui atenção básica e hospitalar, entre outros serviços, e a notificação adequada de acidentes, assegurando dados confiáveis para ações de promoção da saúde e prevenção, com medidas coordenadas para resultados efetivos”, disse.
Tragédia epidemiológica
“Desde 2004, a própria ONU (Organização das Nações Unidas) e a OMS (Organização Mundial de Saúde) definiram o sinistro como sendo uma doença deveras importante e elegeu os sinistros de trânsito como problema de saúde pública em 2004. São 20 anos da constatação da importância do sinistro de trânsito, que nada tem de acidental, pois tem causas que podem ser prevenidas”, explicou.
O especialista cita estimativa da OMS, de que 3% a 5% do PIB de cada país chega a ser usado para custear gastos com sinistros de trânsito.
“Se considerarmos o cenário mundial, cerca de 92% das mortes por sinistros de trânsito acontecem em países pobres, menos capacitados. Temos então fatores sociais, econômicos e educacionais. Por isso, é preciso ter pleno conhecimento, desde a formação do condutor, dos cuidados e dos riscos do trânsito”, analisou.
O maior percentual de mortes atinge homens de 18 a 30 anos, principalmente no “modal motocicleta”, cita Montal. A Abramet chegou a tentar emplacar um curso de atendimento pré-hospitalar para os motociclistas.
“O objetivo era que, em São Paulo, o atendimento fosse feito por outros motociclistas até a entrada no hospital, uma estratégia para mudar comportamentos e impedir lesões que produzem sequelas para a vida inteira”, observou.
Velocidade é vilã
“Não existe justificativa moral para uma morte no trânsito. E o principal vilão é a velocidade. Se não souber gerir a velocidade [das vias] com competência, uma pessoa pode ser condenada à morte. Existe, inclusive, a curva de Ashton, que explica a relação do aumento da velocidade com a mortalidade dos sinistros de trânsito”, exemplificou.
“Ou seja, à medida que a velocidade aumenta é exponencial a proporção de aumento da gravidade e chance de morte. Por isso, o gestor público, ao falar de velocidade, precisa avaliar esses aspectos”, defendeu.
Montal elogia o CTB (Código Brasileiro de Trânsito) e diz considerá-lo um dos textos mais aperfeiçoados do mundo.
“Mas entre o texto e a aplicação temos uma grande distância que torna esse código quase uma letra morta [lei sem aplicação efetiva]. A lei precisa não só ser bem comunicada, para que todos saibam, mas também se caso transgredida, ser imediatamente corrigida com medidas pedagógicas. Hoje, a multa por uma infração chega com meses de defasagem”, lamentou.
Perdas econômicas e produtivas
Zuleide Feitosa, professora da UnB (Universidade de Brasília) e pesquisadora de Transporte e Trânsito, aponta que o Brasil ocupa o terceiro lugar em taxa de mortalidade no trânsito.
“Uma pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostra que o Brasil aumentou sua taxa de mortalidade em 2,3%. Em média 93 pessoas morrem ao dia”, alertou.
Zuleide acrescentou ainda que a perda onera setores econômicos do país, além do gasto dos recursos públicos.
“Temos uma perda na pirâmide produtiva de jovens adultos, que está sendo mais sacrificada, pois são os que mais sofrem com esses sinistros. Isso gera uma perda indireta e gigantesca na produtividade econômica do Brasil. Diretamente, às famílias perdem seus entes queridos e também uma fonte de renda, podendo o sustento ficar comprometido”, explicou.
Para a professora, é necessário “exigir dos governantes campanhas educativas e treinar os novos condutores, principalmente os mais jovens, quanto ao risco dos sinistros”.
“Educar melhor a população, de modo geral, e enfatizar nas campanhas de trânsito o risco de se violar um semáforo vermelho, ou o risco do aumento da velocidade ou distração ao volante, é fundamental. E lembrar que muitas vezes você não tira apenas a sua vida, mas a de outras pessoas”, avaliou.
Aumento das mortes
“Hoje, os veículos são mais seguros. As vias também evoluíram, existe uma sinalização mais eficaz e um pavimento mais seguro. Mas o problema aí temos um terceiro elemento que são as pessoas, porque o acidente em si é um fato não previsto, mas e a imprudência?”, observou.
“A ‘imperícia’ é quando ele faz algo que não sabe, como pegar um veículo que não sabe dirigir. A ‘imprudência’ é quando a pessoa assume determinado risco, como trafegar em uma via de 80km/h a 100km/h. Enquanto a ‘negligência’ ocorre quando a pessoa se esquece dos cuidados no trânsito, como calibrar o pneu, conferir os freios e outras medidas”, detalhou.
O professor aponta que a solução é educação e disciplina.
“O trânsito é uma atividade que exige disciplina, exige sinalização bem feita, e obediência a sinalização. Para mim, antes de receber a CNH, um motorista deveria ficar 24h na emergência de um hospital, para ver a situação das pessoas que chegam, e entender a gravidade e os riscos de se infringir alguma regra de trânsito”, defendeu.
Mudanças na gestão do trânsito
Em entrevista exclusiva ao R7, Catão apontou a importância de se mudar a concepção dos motoristas e também dos gestores municipais. Lidando com a questão da velocidade, por exemplo, a campanha do próximo ano, que começa a ser divulgada agora em dezembro, tem como o tema a mensagem: “Desacelere. Seu bem maior é a vida”.