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Vítima de abusos sexuais dos 9 aos 11 anos, Jessica
Martinelli conta que teve a sensação de um encerramento de ciclo de dor vivido
entre a infância e a adolescência. Aos 25 anos, prendeu o próprio agressor,
após ter se tornado policial civil em Chapecó, inspirada na coragem que via nas
mulheres de distintivo.
"Quando nós estávamos indo (fazer a prisão), era como
se eu tivesse voltado aos 11 anos de idade. Dentro da viatura eu tinha um misto
de coragem - 'eu sou uma policial' ao mesmo tempo em que dava aquela
tremedeira, ansiedade. Sei lá, medo de ele fazer alguma coisa para mim".
"Os meus colegas o revistaram, mas fui eu que bati a
porta da cela. E a sensação realmente de encerramento de um ciclo de 10 anos.
Um ciclo muito doloroso, pelo qual nenhuma vítima deveria ter que passar",
resumiu.
Ela entrou para a polícia em 1º de julho de 2016, e a prisão
do agressor ocorreu cinco meses depois, em 22 de dezembro do mesmo ano.
Vítima por cerca de dois anos e meio, Jessica demorou a ter
coragem para relatar o que sofria. Aos 15 anos, após apoio da mãe de uma amiga,
contou para a irmã sobre a violência e denunciou o abuso sexual. Quando começou
a cometer os crimes contra Jessica, o agressor tinha 33 anos.
Ela também descobriu que ele havia tido a mesma conduta
criminosa com outras pessoas. "Eu fiquei sabendo que ele estava abusando
de outras vítimas que não tinham coragem de denunciar. E aquilo me trouxe muita
revolta, muita revolta. Por isso, eu pensei 'não, então eu vou ter que fazer
isso por elas e por futuras meninas que possam passar por isso. Eu tenho que
contar'".
Ela encontrou inúmeras dificuldades com cada autoridade que
contatou e, por essa razão, o julgamento e, consequentemente, a prisão
demoraram.
Como o agressor foi julgado com base em uma norma anterior,
ele já está em liberdade. "Eu acabei entrando na lei antiga, que eram os
crimes contra os costumes. Hoje são crimes contra a dignidade sexual".
Ela escreveu o livro "A calha", relatando o que
aconteceu também para trazer conforto a outras pessoas que tenham sofrido
crimes semelhantes e que sofreram com a desconfiança e a culpa.
"Por ser uma história realmente que eu sei que motiva
as vítimas a denunciarem, a contar. Além de trazer uma certa justiça, porque
muitas vítimas, eu ouvi isso, que a minha ação, o meu ato, de certa forma,
trouxe conforto para elas. Porque muitas não tem mais como, pela questão de
tempo, já não tem mais como prender o agressor", disse ao g1.
Jessica trabalha na Polícia Civil há oito anos.