ELEIÇÕES MUNICIPAIS 2024 - 08/07/2024 13:14

Controle do uso de IA é prioridade da Justiça Eleitoral nas eleições municipais de SC

TRE-SC tem atuado com comitê de combate a fake news em preparação para eleições municipais de 2024
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Arte / WH3

Colocar o adversário em uma situação em que ele nunca esteve, simular falas que ele nunca disse, trocar rostos e imagens para criar situações falsas, tudo com muita similaridade com o real. Para evitar esse tipo de problemas, os órgãos eleitorais têm se preparado em um trabalho conjunto de controle ao uso da inteligência artificial (IA) em ano de eleições municipais.

Em fevereiro deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) regulamentou o uso da inteligência artificial (IA) na propaganda de partidos, coligações, federações partidárias e candidatos. A resolução que trata da propaganda eleitoral foi alterada para incluir essas atualizações e modernizar as normas conforme os desafios enfrentados atualmente.

Já o Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE-SC), ainda meses antes do pleito está atento e preparando as equipes para lidar com esses novos desafios. A desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, presidente do TRE-SC, afirma que o órgão possui até interligação direta com a Meta, dona de marcas como Facebook, WhatsApp e Instagram, para atuar em casos de desinformação.

— São 295 eleições que teremos, em torno de 25 mil a 27 mil candidatos. E temos todo um cronograma de planejamento para chegarmos a bom termo na eleição. É um trabalho grande, mas temos uma sequência, um calendário aí pela frente para cumprir e tudo está sendo preparado para isso — destaca a desembargadora.

Contra as fake news

Ainda nas eleições gerais de 2022, casos como de um vídeo fake em que o âncora do Jornal Nacional, William Bonner, supostamente chamava o presidente Lula e o vice Geraldo Alckmin de bandidos circulou nas redes sociais.
Posteriormente, foi comprovado que o vídeo foi resultado de uma técnica chamada Text to Speech (TTS), que gera áudios a partir de texto e que utilizou um banco de dados com áudios de Bonner. 

Em uma outra situação, o Jornal Nacional chegou a se manifestar após a circulação de uma deepfake em que William Bonner e Renata Vasconcellos supostamente anunciavam que o candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) estaria à frente nas pesquisas de intenção de voto. 

Os dois casos são só alguns exemplos de usos da inteligência artificial durante as eleições. Ao redor do mundo, deepfakes já foram usadas em contextos políticos na África do Sul, no Paquistão, Em Bangladesh, em Taiwan, na Índia e na Indonésia, conforme aponta uma reportagem do O Globo. Neste ano, as atenções estão redobradas, já que aplicativos de inteligência artificial estão mais disseminados, e com maior qualidade.

Mas o que são as deepfakes?

A deepfake é uma técnica que consiste na criação ou alteração de fotos ou vídeos através do uso de inteligência artificial. Assim, é possível, por exemplo, trocar o rosto de uma pessoa em um vídeo pelo rosto de outra, ou modificar a fala, trocando o áudio.

Aplicativos feitos especificamente para essa finalidade fazem com que o resultado final se assemelhe com um vídeo real, confundindo quem vê ou assiste o material pela semelhança.

As deepfakes foram proibidas durante as eleições com a alteração na Resolução nº 23.610/2019, que trata de propaganda eleitoral pelo TSE. Além disso, ficou determinada a obrigação de aviso sobre o uso de IA na propaganda eleitoral; restrição do emprego de robôs para intermediar contato com o eleitor; e responsabilização das big techs que não retirarem do ar, imediatamente, conteúdos com desinformação, discurso de ódio, ideologia nazista e fascista, além dos antidemocráticos, racistas e homofóbicos.

Quais os possíveis impactos nas eleições municipais

A qualidade dos materiais que podem ser criados com a inteligência artificial nos dias atuais, que confundem os eleitores e são difíceis de identificar até mesmo por especialistas, é um dos principais problemas em um contexto de eleições. É o que explica Tiago Bahia Losso, doutor em Ciências Sociais e professor de Sociologia e Ciência Política na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Ele destaca que a população, por vezes, nem possui os conhecimentos necessários para imaginar que é possível criar um material falso com tamanha semelhança com a realidade, com falas inventadas, mas a imagem de um candidato real, por exemplo.

— Talvez o impacto mais imediato é que, a depender da quantidade de informações falsas que uma pessoa tem acesso, o resultado que ela pode tomar na urna vai ser influenciado por isso. Talvez ela vai tomar uma decisão baseada em informações equivocadas, o resultado não pode ser bom — afirma o professor.

Isso ocorre porque o sistema de uma eleição, explica Tiago, é desenhado para que cada indivíduo tome decisões na hora do voto, que são reflexo do tipo de informação que os eleitores possuem. Estudos da teoria política apontam que a maneira como se consegue a informação impacta na forma como as decisões são tomadas. 

— Para uma democracia ou para algum tipo de regime político que conte com a participação popular, é fundamental que quem participa do processo de tomada de decisão, nesse caso, o eleitorado, precisa saber muito bem a realidade que o circunda para poder tomar uma decisão esclarecida — explica.

O pesquisador também explica que é um mito a ideia de que esses conteúdos falsos são criados por uma pessoa sozinha, que com uso dos recursos tecnológicos ao seu alcance dissemina informações falsas. Esse tipo de material costuma ser resultado de estruturas e movimentos coordenados, feitos de forma intencional.

— É um mito a existência daquele criador de conteúdo que, trancado no seu quarto, usa desses recursos tecnológicos, cria seus conteúdos falsos e isso é espalhado. Não é assim que funciona. Os grandes movimentos estão ligados a estruturas coordenadas, de criação e difusão de desinformação, muitas vezes ligados a temas, como por exemplo, o movimento anti-vax, mas principalmente de maneira regular durante os pleitos eleitorais — detalha Tiago.

O professor destaca entre as medidas que podem ser tomadas para combater esse uso nocivo da inteligência artificial a atuação do poder público, através de órgãos como Tribunal Superior Eleitoral, do Supremo Tribunal Federal, Ministério Público, Procuradoria. Além disso, reforça a necessidade de campanhas de informação e esclarecimento, junto com o papel da imprensa em prestar informações com credibilidade.

— Uma coisa que nós precisaríamos seria uma campanha de esclarecimento público sobre o que é a IA, o que hoje pode ser feito de vídeos, uma campanha como a de vacinação. Os diversos níveis da administração pública brasileira deveriam começar a difundir informações como em uma pandemia. Numa eleição, tome cuidado onde você encontra informação. E um pacto em torno da imprensa — afirma.

TRE-SC se prepara para lidar com a IA nas eleições municipais

Em Santa Catarina, o Tribunal Regional Eleitoral se prepara para as eleições municipais deste ano, de olho nesses novos desafios. A desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, presidente do TRE-SC, destaca as ações que têm sido tomadas para fiscalizar casos de uso indevido da inteligência artificial e minimizar os impactos negativos dessas tecnologias. 

— Nós temos o comitê de desinformação no TRE, que está interligado com o comitê do TSE, e temos hoje até interligação com a Meta. Os juízes decidindo num processo que aquela matéria é falsa, eles podem mandar diretamente à Meta para retirar o perfil do ar — explica a desembargadora.

A inteligência artificial, contudo, não é proibida nas eleições municipais. Renata Beatriz de Fávere, secretária da Corregedoria Regional Eleitoral, explica que ela vai poder ser usada, desde que seja claramente identificada, e que não tenha como finalidade enganar o eleitor.

— Por exemplo, o candidato quer mostrar a ideia de uma escola que ele quer construir. Então ele pode usar a inteligência artificial para mostrar como é que vai ficar esse projeto dele. O que não pode é usar a inteligência artificial para enganar — afirma.

Caso seja usada para melhorar a experiência e o entendimento do eleitor em relação a alguma proposta, desde que claramente identificada, a ferramenta pode ser usada. É proibido o uso da IA para criar situações falsas, sejam elas positivas ou negativas, do próprio candidato ou de adversários.

— Então assim, você pega o candidato, você coloca ele numa situação que ele nunca esteve, isso não pode, mesmo com aviso. E a deepfake, esse uso da inteligência artificial, que seria colocar uma imagem, uma fala, também é proibido — explica Renata.

Samuel Ribeiro, secretário de Tecnologia da Informação do TRE-SC, explica que o TRE possui um comitê de combate a fake news, sejam elas com ou sem o uso de inteligência artificial, que atua constantemente nesse sentido.

Ele explica que os problemas com o uso da inteligência artificial podem ser divididos em dois, aqueles que atacam o próprio Estado e as instituições, e aqueles que são utilizados entre concorrentes.

— Temos dois tipos de problemas, problemas que são o uso da inteligência artificial contra as instituições, contra o TRE, contra o juiz eleitoral, contra o Estado. Nesses casos, a atuação é direta da Justiça Eleitoral, ela não precisa ser provocada para atuar. Agora, quando a inteligência artificial é usada para prejudicar a imagem de um concorrente, daí essa provocação pode vir pelo Ministério Público ou pelo candidato que se sentiu ofendido — detalha.

Nesse segundo caso, cabe ao juiz eleitoral a determinação de uma perícia técnica, que pode ser acionada caso ele ache necessário, para apurar se o material é de fato fruto do uso de inteligência artificial. 

Como a abrangência das redes sociais e da própria internet é muito grande, cabe a pessoa que se sentiu lesada fazer a denúncia ao Ministério Público Eleitoral, que irá oferecer a denúncia ou não, e decidir pelo prosseguimento, para que, se assim for definido, determinar a retirada do conteúdo.

— É algo muito novo. É um desafio do mundo, não é só aqui no Brasil. Mas a gente está atento a desenvolver sistemas que possam identificar essa abrangência de quando essas notícias são veiculadas de forma indevida pra gente poder atuar nos limites que nos cabem — afirma Samuel.

Apesar da comum associação negativa com a inteligência artificial, por conta da criação de notícias falsas e deepfakes, ela também pode ser usada para o “bem”. O secretário judiciário do TRE-SC, Maximiniano Simões Sobral, afirma que a tecnologia tem sido usada de forma positiva no próprio combate à desinformação. Ferramentas estão sendo desenvolvidas para monitorar as redes sociais em busca de postagens que estejam em desacordo com o que a legislação determina.

— A Justiça Eleitoral tem estudado soluções para fazer um monitoramento das redes sociais, não com o propósito de censurar, de inibir a livre manifestação do pensamento. Nada disso. É para identificar postagens que já foram checadas, que já estão nos repositórios oficiais da justiça eleitoral como uma informação errônea ou que está prestando algum tipo de desinformação que possa comprometer a lisura das eleições — pontua.

Assim que esses conteúdos forem identificados, a Justiça Eleitoral no âmbito do poder de polícia poderá eventualmente retirar aquele conteúdo do ar. Maximiniano também afirma que soluções estão sendo utilizadas para informar os eleitores sobre o funcionamento das urnas, das eleições e do processo eleitoral, utilizando da tecnologia para levar boas informações e impulsionar conhecimentos sobre o tema.

Fonte: NSC
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