JUSTIÇA - 14/11/2024 05:58

MPSC entra com pedido para anulação do júri que absolveu esposa acusada de matar empresário

Camila Pereira foi absolvida pelo Tribunal do Júri, mesmo sendo apontada como autora do homicídio em Florianópolis; defesa celebra decisão e acusação diz que 'justiça ainda não foi feita'
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O julgamento de Camila Fernanda Franca Pereira foi marcado por uma reviravolta improvável. Ela foi absolvida na terça-feira (12) pelo Tribunal do Júri, após ser acusada de sedar e matar seu marido, o empresário Gustavo Alberto Sagaz, com 36 facadas em agosto de 2023, em Florianópolis. Inconformado, o MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) irá recorrer pela anulação do júri.

A sessão de julgamento, que durou cerca de 14 horas, reconheceu Camila como a autora do assassinato do marido, mas a absolveu da condenação pelo crime. Como a decisão ainda não foi transitada em julgado, ainda cabe recurso por parte da promotoria.

Como foi o crime?

Camila comunicou o desaparecimento do marido no dia seguinte ao crime. Ela disse que Gustavo iria para Rio do Sul a fim de comprar um motor e que portava R$ 40 mil em dinheiro. As perícias identificaram que Gustavo foi sedado antes do crime e morreu em casa. Além disso, o celular também ficou em casa no período de desaparecimento da vítima.

A filha do casal, de três anos, viu o pai ser agredido pela mãe nas coxas com um “pau” semelhante a um metal. A partir das imagens das câmeras instaladas no Parque Estadual do Rio Vermelho, próximo à praia do Moçambique, a polícia reconstituiu os passos dos criminosos.

A investigação aponta que Camila não teria capacidade física para carregar o corpo até a praia e a suspeita é de que teve ajuda para isso. As imagens do parque revelam que o empresário foi levado ao local na própria camionete, modelo Nissan Frontier.

Por que Camila foi inocentada?

Conforme o advogado de Camila, Alessandro Marcelo de Sousa, o depoimento da cliente mudou tudo. Camila contou que o marido estava endividado com alguns homens envolvidos com organizações criminosas. Na versão da ré, foram esses homens que teriam cometido o assassinato de seu marido.

Camila relatou que, enquanto estava presa preventivamente, no decorrer do processo, ela teria recebido ameaças de morte, vindas dessa organização, para não revelar o verdadeiro culpado. Ela justificou, por temer pela própria vida, não revelaria o nome de quem seria o culpado. “Esses elementos foram relevantes e, com certeza, influenciaram na decisão dos jurados”, declarou Sousa.

Sousa admitiu que, segundo investigação da polícia, a filha do casal, de três anos, viu o pai ser agredido pela mãe nas coxas com um “pau” semelhante a um metal — o qual a acusação aponta que seria, na verdade, uma faca. Esse episódio teria embasado a tese de que Camila teria motivações para matar Gustavo.

No entanto, o advogado reitera que não foram apresentadas provas concretas que ligassem essas motivações ao crime de fato. “Não há comprovação de que a agressão testemunhada pela filha tenha sido no mesmo dia da morte dele. Inclusive, a filha em nenhum momento relatou ter visto sangue, apenas ‘pauladas'”, expressou Sousa.

Como votou o Tribunal do Júri

Camila era acusada não só por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, meio cruel e impossibilidade de defesa da vítima), mas também por ocultação de cadáver, já que o corpo de Gustavo foi descartado em uma área de vegetação.

A alegação de que o assassinato foi cometido por homens a quem Gustavo devia não convenceu o júri, o qual reconheceu que a autora do crime, de fato, foi Camila. Entretanto, ela foi inocentada da acusação de ocultação de cadáver, após a defesa argumentar que ela não tinha capacidade física para carregar o corpo do marido até o local onde foi descartado.

A votação do júri, em relação ao homicídio, foi feita em três quesitos:

Primeiro quesito: o crime ocorreu e Gustavo foi esfaqueado até a morte – 4 votos favoráveis, zero votos contrários. Decisão: Gustavo foi assassinado a facadas;

Segundo quesito: Camila é a autora das facadas – 4 votos favoráveis, 2 votos contrários. Decisão: Camila assassinou Gustavo;

Terceiro quesito: Camila deve ser condenada pelo crime – 4 votos contrários, 3 votos favoráveis. Decisão: Camila não cumprirá pena pelo crime.

Por maioria, Camila foi absolvida da condenação, apesar de não ter sido inocentada do crime. Segundo Sousa, a votação de cada jurado é secreta e eles não são obrigados a apresentar as motivações de seus votos, fazendo com que Camila tenha sido absolvida por quesito genérico.

A absolvição por quesito genérico se dá quando o júri responde à terceira pergunta sem apresentar motivação, mesmo tendo reconhecido a ocorrência e a autoria do crime.

“Vale destacar que a decisão do júri foi feita com base nas provas e nos argumentos apresentados durante o julgamento, não foi por acaso. A defesa rebateu ponto a ponto todos os elementos de acusação”, ressaltou Sousa.

Ministério Público recorre pela anulação do júri

Segundo Mello, a decisão dos jurados de reconhecer Camila como autora do crime, ao mesmo tempo em que a absolveu da condenação, é uma contradição. Ainda, por ela ser apontada como a autora das facadas, a argumentação da defesa de que foram outros homens que mataram Gustavo não pode ser levada em consideração.

“Ela argumentou que foram homens ligados a uma organização criminosa que cometeu o crime e que ameaçou ela caso entregasse, mas não elaborou. O júri também não comprou essa versão, tanto que não inocentou ela”, analisou o promotor.

Apesar de Sousa ter afirmado que a decisão não contraria o que foi apresentado nos autos, Mello discorda desse ponto.

“Nos autos, comprovamos que ela esteve na caminhonete dele após o crime e que ela esteve na área onde o corpo foi descartado. Também mostramos que ela levou o carro a um lava jato para tentar limpar as evidências e ainda ficou com o celular dele por alguns dias. Mas a decisão do júri contrariou o que foi apresentado”, afirmou Mello.

Caso o pedido do MPSC seja aceito pela justiça e a anulação do júri seja efetivada, um novo júri deverá ser formado e as acusações de homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver deverão passar por um novo julgamento.

“A justiça é o reclamo da sociedade. Estamos recorrendo a essa decisão e pedimos anulação do júri. A materialidade do crime já foi reconhecida e a ré tem que cumprir a pena devida”, concluiu Mello.


Fonte: ND+
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